Um papo na cozinha*
Eliane Cantanhêde
O Brasil lucra quando os presidentes da República e do
Supremo Tribunal Federal têm boas relações institucionais e, mais ainda, se
respeitam e conversam livremente sobre assuntos que dizem respeito a um País
tão convulsionado. Michel Temer e Cármen Lúcia já conversaram por quatro horas
no ano passado e voltaram a se encontrar no sábado, por duas horas, na casa da
presidente do Supremo. Aliás, na cozinha, enquanto ela fazia pessoalmente o
cafezinho.
Entre vários temas comuns, dois são mais urgentes e já
tinham sido discutidos em reuniões preliminares de Cármen Lúcia com ministros e
representantes do Executivo: a crise dos Estados e a crise de segurança,
destampada com o massacre de 56 presos em Manaus no primeiro dia do ano e
abordada com Alexandre de Moraes (Justiça). Incluem-se aí a crise do sistema
prisional e o Plano Nacional de Segurança, que foi anunciado pelo Executivo
semana passada, mas foi uma ideia lançada pela ministra.
Há um consenso de que o sistema prisional é um caos e de
que o Brasil, além de abandonar presos e presídios à própria sorte, também
“prende muito e prende mal”, como Moraes não cansa de repetir. Mas não há
consenso sobre a necessidade de construir mais penitenciárias numa época de
falta de recursos e de excesso de presídios caindo aos pedaços, carentes de
manutenção. Ou até de presídios novos em folha, mas sem condições de entrar em
operação.
Ontem mesmo, Temer anunciava a construção no Rio Grande
do Sul de uma das cinco novas penitenciárias de segurança máxima do Plano de
Segurança, enquanto a nova Penitenciária Feminina de Lajeado, a 118 km de Porto
Alegre, foi inaugurada em novembro, com 84 vagas, mas só agora começa a receber
as sete primeiras detentas, por falta de agentes, funcionários, verbas,
equipamentos. Antes de construir uma nova, não é melhor cuidar das existentes?
Outro tema óbvio entre Temer e Cármen Lúcia foi a
facilidade com que se fala em superpopulação carcerária e em presos provisórios
ou até que já cumpriram pena e continuam enclausurados – todos pobres,
evidentemente. Ninguém discorda do diagnóstico, mas os números são considerados
“chutes” e Cármen Lúcia já se reuniu com o presidente do IBGE e com o
comandante do Exército para ainda neste mês assinar o protocolo para um grande
censo penitenciário no País, com apoio de ONGs e igrejas que tenham acesso aos
presos.
Outro tema entre os presidentes da República e do STF foi
a crise dos Estados. O Rio de Janeiro não paga salários de algumas categorias
desde outubro/novembro, mas a União sustou dois repasses para o Estado, um de
R$ 192 milhões, outro de R$ 181 milhões, e a crise caiu no colo de Cármen Lúcia
na primeira semana do ano. Espremida entre Rio e Planalto, ela deu uma liminar
liberando os recursos, mas prevendo um prazo para as partes se acertarem. Em
seguida, recebeu o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que ontem fechou
com o governador Pezão um acordo que pode servir de base para as negociações da
União com outros Estados.
Por falar em governador, não se sabe o que falaram Temer
e Cármen Lúcia especificamente sobre o massacre de Manaus – onde a ministra
reuniu-se com presidentes de tribunais de Justiça –, mas uma coisa é certa:
Executivo, Judiciário e Legislativo continuam achando que o que ocorreu não foi
uma rebelião convencional.
As autoridades liberaram as visitas de fim de ano, apesar
das informações de que haveria fugas; os líderes tinham armas de fogo, mas só
usaram armas brancas; não houve registro de reféns; e parece inédita uma
rebelião sem lista de reivindicações... Tudo esquisito. Aliás, tudo anda
muitíssimo esquisito e o temor é de que Manaus seja laboratório para futuros
massacres.
*Publicado no Portal Estadão em 10/01/2017
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