Lula é
denunciado por formação de quadrilha
Deflagrada em março do ano passado, a Operação Zelotes
surgiu com o objetivo de desarticular uma quadrilha especializada em vender
decisões do Carf, o tribunal que julga recursos contra multas aplicadas pela
Receita Federal. No meio do caminho, investigando lobistas que participavam do
esquema, procuradores e policiais esbarraram em outros balcões de negócios de
Brasília. Descobriram, por exemplo, que alguns dos suspeitos, os mesmos que
vendiam acesso a poderosos gabinetes da capital, tinham atividades extras no
mundo do crime. Ofereciam, entre outras coisas, medidas provisórias editadas
sob medida pelo governo para atender empresas interessadas em obter benesses
oficiais, como incentivos fiscais. Um dos achados despertou especial atenção.
Ao quebrar o sigilo de Mauro Marcondes, um megalobista conhecido por atuar em
favor da indústria automobilística, apareceram pagamentos de 2,5 milhões de
reais a uma empresa registrada em nome de Luís Cláudio Lula da Silva, o filho
caçula do ex-presidente Lula. Era só a ponta aparente de um elo que, agora, os
investigadores acreditam ter fechado – e que acaba de resultar em mais uma ação
criminal contra o petista.
A descoberta dos pagamentos a Luís Cláudio exigiu a
abertura de uma nova frente de investigação – e deu origem a uma sucessão de
explicações desencontradas por parte de quem pagou e de quem recebeu. Preso,
Mauro Marcondes primeiro disse que contratara o filho de Lula para desenvolver
o projeto de um centro de exposições no interior de São Paulo. Depois, alegou
que o dinheiro foi repassado a título de patrocínio a competições de futebol
americano organizadas por Luís Cláudio. O rapaz se complicou ainda mais.
Explicou que prestou serviços de consultoria à empresa do lobista e apresentou
à polícia relatórios para supostamente comprovar o que dissera. Os documentos
nada mais eram do que uma colagem malfeita de textos plagiados da internet.
Restava no ar a pergunta: por que, afinal, o menino Lula recebeu a bolada do
lobista? Foi na montanha de documentos coletados por outra operação, a
Lava-Jato, que os investigadores da Zelotes conseguiram a resposta, ou a parte
que faltava para fechar o elo.
A suspeita, desde o começo, era que Mauro Marcondes
pagara a Luís Cláudio para obter a ajuda de Lula em assuntos de interesse de
seus clientes. Lula já era ex-presidente, mas, como se sabe, desfilava poder no
Planalto de Dilma Rousseff. Marcondes, àquela altura, defendia causas
bilionárias no governo. E, coincidência ou não, teve êxito nas principais
delas. Conseguiu, por exemplo, a edição de uma medida provisória prorrogando
benefícios fiscais a montadoras de automóveis e contribuiu para que o governo
brasileiro fechasse com os suecos da Saab a compra de 36 caças para a Força
Aérea, num contrato de 5,4 bilhões de dólares. Pelo lobby, Marcondes recebeu
das montadoras e da Saab mais de 15 milhões de reais. Teria ele repassado uma
parte desse dinheiro a Lulinha para que Lula o ajudasse em suas empreitadas
junto ao governo Dilma? Para os procuradores da Zelotes, foi exatamente o que
aconteceu. No material apreendido no Instituto Lula pela Lava-Jato, eles
encontraram o que consideram ser a prova cabal dessa relação: no mesmo período
em que recebeu a bolada, Lulinha não só ajudou Mauro Marcondes a marcar
reuniões com Lula para tratar dos interesses das empresas que o lobista
representava como acompanhou pessoalmente os encontros.
E-mails, atas de reuniões e agendas do Instituto Lula
foram juntados à investigação como prova. Para os investigadores, o conjunto
não deixa dúvida: o lobista pagou ao filho para obter a ajuda do pai. Somado, o
material embasa mais uma acusação criminal contra Lula na Justiça. É a
quarta denúncia proposta pelo Ministério Público Federal contra o
ex-presidente. Desta vez, os procuradores acusam Lula de tráfico de influência,
lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, crimes cujas penas podem passar
dos quinze anos de prisão. O filho de Lula foi denunciado por lavagem de
dinheiro.
Ao longo da investigação, os sigilos bancário e fiscal de
duas empresas de Luís Cláudio foram quebrados. E o que saiu da análise das
contas torna ainda mais nebulosas as transações financeiras do caçula da
família Lula. De 2011 a 2015, as duas empresas dele receberam o número mágico
de 13 milhões de reais – parte das movimentações, segundo a Receita Federal, é
incompatível com as declarações de renda apresentadas no período. A maior
parcela foi repassada por grandes empresas, a título de patrocínio para os
torneios de futebol americano organizados pelo rapaz, mas nem tudo é o que
parece. No rol há, por exemplo, uma empresa que deu dinheiro mas nunca figurou
entre os patrocinadores das competições. Dentre os pagadores aparece também uma
empresa da família de José Carlos Bumlai, o lobista amigo do peito de Lula que
tinha passe livre em seu governo (e que, anos depois, acabaria apanhado pela
Lava-Jato). Uma parte significativa dos valores recebidos pelo caçula de Lula
foi aplicada em fundos de investimento. O destino de pelo menos 3,5 milhões os
peritos da Receita simplesmente não conseguiram identificar, e 840 000 reais
foram transferidos para a conta de uma empresa de fachada sediada em um casebre
na periferia de São Paulo.
Luís Cláudio, como se vê, virou um portento dos negócios,
a exemplo de seu irmão Fábio Luís, o Lulinha, ex-tratador do zoológico
paulistano que ficou milionário graças a negócios nebulosos feitos durante o
governo do pai. Quando os negócios de Fábio vieram à luz, Lula defendeu o
primogênito. Disse que ele era um “Ronaldinho dos negócios”. O que ninguém
sabia àquela altura era que havia um outro gênio na família ensaiando os
primeiros passos rumo à fortuna. Tampouco se sabia que tamanho sucesso viria a
complicar sobremaneira a vida do orgulhoso pai.
Portal Veja/Rodrigo Rangel/Conteúdo
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