A regra do jogo*
Eliane Cantanhêde
Em sua longa e inédita entrevista a Fausto Macedo e
Ricardo Brandt, no Estado, o juiz Sérgio Moro foi simples, cauteloso, mais
preocupado em dar sua versão da Lava Jato ao País do que ostentar erudição para
seu público interno ou fazer provocações incabíveis aos alvos das investigações
e sentenças. Não personificou críticas e não adiantou julgamentos, mas deixou
muito claras suas posições e motivações.
Assim como eu, tu, nós e eles, Moro confessou que o que
mais o chocou em todas essas revelações da Lava Jato foi “a própria dimensão
dos fatos” e a descoberta de “uma corrupção sistêmica, corrupção como uma
espécie de regra do jogo”. Sim, há crime de colarinho branco no Brasil e no
mundo. Sim, desvio de dinheiro público, ganância do setor privado,
enriquecimento de servidores, nada disso é novo, nem tão surpreendente. O que
surpreende, ou choca, é a dimensão, é a corrupção deixar de ser exceção e virar
regra.
Talvez o exemplo mais contundente disso seja o delator
Pedro Barusco, que se comprometeu a devolver US$ 100 milhões. O cara era
gerente de Engenharia da Petrobrás, ou seja, nem diretor era. E devolve o
correspondente a R$ 320 milhões?! Quem devolve tudo isso roubou quanto? E
ainda guardou quanto? Logo, Barusco dá uma boa dimensão do que foi o petrolão e
mostra como a corrupção não era restrita, ocasional, mas uma rede sem limites,
corriqueira.
E por que só ex-tesoureiros do PT foram presos? (Aliás,
três deles.) A resposta de Moro foi simples: só tinha poder para nomear e
manter diretores e gerentes que negociavam, distribuíam e embolsavam propinas
milionárias era quem estava no governo. Por óbvio, quem não tinha a caneta e o Diário
Oficial não podia nomear um Barusco para roubar e fazer o rateio do roubo.
Então, perguntaram os repórteres, a Lava Jato vai poupar PSDB e até o PMDB,
principal aliado do PT com Lula e Dilma? “Processo é uma questão de prova”,
respondeu Moro, machadianamente. Poderia acrescentar: “questão de prova, meu
caro Watson”.
Moro disse que “o trabalho feito lá (no Supremo) merece
todos os elogios”, mas não deixou de mexer numa velha ferida exposta agora pela
Lava Jato: o foro privilegiado. O STF não está capacitado para investigar,
julgar, condenar ou absolver 513 deputados, 81 senadores e todos os outros
poderosos que têm privilégio de foro. E são só 11 ministros, atolados por 44
mil processos só no primeiro semestre deste ano. No mínimo, tudo será
muitíssimo mais lento. Para Moro, o ideal seria reduzir o foro privilegiado,
que penaliza os ministros e acaba por beneficiar os políticos, para os
presidentes da República, do Senado, da Câmara e do próprio Supremo.
Sempre cauteloso, Moro repetiu o questionamento da
ministra Cármen Lúcia sobre a oportunidade de o Senado endurecer a lei de abuso
de autoridade em meio ao maior julgamento de partidos e políticos da história
do País, mas fez uma espécie de chamamento ao Congresso para “acompanhar a
percepção de que é necessário mudar” e aprovar o pacote de medidas
anticorrupção apresentado pelo MP e referendado por milhões de brasileiros.
Por falar nisso, o juiz disse que “jamais, jamais” seria
candidato a um cargo político. Está escrito e publicado, mas Moro só tem 44
anos, comanda um processo inédito de depuração das práticas políticas e é tão
amado e tão odiado quanto costumam ser, não os juízes, mas os políticos. E,
afinal, o futuro a Deus pertence.
Suspeita. Conversando no domingo com o ex-ministro e
meu amigo Milton Seligman, surgiu a dúvida: quem votou pelo Brexit no Reino
Unido, contra o acordo de paz na Colômbia e pela ascensão de Trump foram os
homens brancos, de meia-idade, sem diploma e conservadores? Ou foi o populismo
fácil, o marketing rasteiro, a manipulação de líderes irresponsáveis?
*Publicado no Portal Estadão em 08/11/2016
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