Inconformados com a democracia*
Um verdadeiro democrata é aquele que sabe ganhar e sabe
perder uma eleição. Os caciques petistas, praticamente desde a fundação de seu
partido, já demonstraram inúmeras vezes que não sabem nem uma coisa nem outra.
Quando vencem, atiram-se às mais repugnantes práticas políticas para se manter
no poder e destruir a oposição; quando perdem, dedicam-se não a fazer oposição,
mas a sabotar o País, na presunção de que, quanto pior a crise, maiores serão
suas chances de retomar o poder, que julgam lhes pertencer por direito e por
determinação histórica. Depois da derrota eleitoral sofrida na disputa pelas
prefeituras, o PT, se fosse mesmo democrata como alardeia, poderia ter
reconhecido seus erros e deflagrado um processo de reformulação de suas
práticas, amplamente rejeitadas pelos eleitores. No entanto, a natureza
autoritária desse partido mais uma vez se revela: surrados impiedosamente nas
urnas depois que os brasileiros se deram conta de suas patranhas, os petistas
partiram para a negação da política partidária, apelando para a violência e
para o desrespeito ao Estado de Direito como forma de interferir na realidade
que lhes é hoje tão madrasta.
Um exemplo dessa disposição foi dado por um grupelho de
sem-teto denominado Frente de Luta por Moradia (FLM). Mais um dos tantos
movimentos truculentos ligados ao PT, a tal organização invadiu na
segunda-feira dez imóveis nas regiões central, sul, leste e norte de São Paulo,
numa mobilização que pode ter envolvido cerca de 2 mil pessoas. Segundo uma das
coordenadoras da FLM, Janice Ferreira, trata-se de um “recado” para o prefeito
eleito, João Doria (PSDB) – que só assume no dia 1.º de janeiro.
Portanto, é uma invasão exclusivamente política, sem
nenhuma relação com as necessidades imediatas dos sem-teto que esses grupos
alegam defender. Mesmo sem saber exatamente quais serão as medidas que Doria
pretende adotar no setor de habitação, os militantes do PT e os parceiros do
partido trataram desde logo de criar um clima de guerra. O chefe do Movimento
dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), o notório Guilherme Boulos, já avisou que
haverá mais invasões, enquanto o líder da Central de Movimentos Populares,
Raimundo Bomfim, disse que a mobilização de sem-teto é “um aviso ao prefeito
eleito Doria de que não terá vida fácil se tentar brigar com os sem-teto”.
Como se observa, não se trata de uma luta por melhores
condições de moradia para a população carente de São Paulo. Os grupos que dizem
representar os sem-teto servem apenas como peões do PT, que os move conforme
sua necessidade e sua agenda. Inconformados com a derrota eleitoral, os
petistas apostam na conflagração, terreno em que eles ganham e a democracia
perde.
O mesmo acontece com os estudantes que invadiram escolas
em vários Estados do País para protestar contra as mudanças no ensino e contra
a imposição de um teto para os gastos públicos. Está claro, a esta altura, que
esses garotos estão sendo usados pelo PT para lhe servirem como porta-vozes e,
na marra, disseminarem um discurso que os petistas foram incapazes de sustentar
pela via das instituições democráticas.
No site do PT na internet, até ontem, quase não havia
referências às eleições municipais nem aos planos do partido para se recuperar
da derrota. O grande destaque, além das já tradicionais patacoadas sobre a
“perseguição política” ao chefão Lula da Silva, era dado justamente à ocupação
das escolas. Eis aí o que o PT tem a oferecer à sociedade como partido
político: o elogio à ruptura democrática, caracterizada pelo apoio estridente a
um movimento minoritário de estudantes que, na base da força, impede a maioria
de completar o ano letivo.
A musa do movimento, uma menina de 16 anos, levada por
petistas ao Congresso, chegou a dizer que ela e seus colegas vão “desenvolver
métodos de desobediência civil” – e foi aplaudida efusivamente por aqueles que
só invocam a democracia quando lhes convém. Escuse-se a ignorância da menina
acerca dos limites legais de seus atos; já os marmanjos que a exploram – Lula e
os pais dela, especialmente –, esses sabem muito bem o que estão fazendo.
*Publicado no Portal Estadão em 07/11/2016
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