De justiça e injustiça*
Eliane Cantanhêde
O que esteve em discussão no Supremo Tribunal Federal
na
quarta-feira e continua em discussão na sociedade
é o que torna a justiça mais
justa: a presunção de inocência até a sentença tramitada em julgado, ou a
prisão depois da condenação em segunda instância?
É um embate eletrizante entre a “letra fria da lei” e uma realidade de profunda injustiça, que pode definir o futuro dos envolvidos na Lava Jato e até do ex-presidente Lula, que não tem foro privilegiado.
É um embate eletrizante entre a “letra fria da lei” e uma realidade de profunda injustiça, que pode definir o futuro dos envolvidos na Lava Jato e até do ex-presidente Lula, que não tem foro privilegiado.
O tema é tão controverso que houve um empate de 5 a 5
entre os supostamente maiores conhecedores da Constituição do Brasil e foi
decidido pelo voto de Minerva da presidente Cármen Lúcia a favor da prisão em
segunda instância – ou seja, por um tribunal de Justiça ou um tribunal regional
federal. Como deu 6 a 5, o debate continua, aliás, para cobrir as falhas do
Processo do Código Penal, que permite um festival de recursos e impede que seja
feita justiça quando o criminoso é endinheirado e de colarinho branco.
Os argumentos dos dois lados merecem reflexão. Os que se
agarram ao princípio da “presunção de inocência” alegam que é um risco mandar
prender um réu na segunda instância se, depois, ele pode ser declarado inocente
por um tribunal superior. Seria, segundo eles, a injustiça prevalecendo sobre a
justiça. E acrescentam que os réus, sobretudo fora dos grandes centros e dos
holofotes, podem ficar nas mãos de tribunais contaminados por disputas
paroquiais ou pelo Poder Executivo local.
No lado oposto, os que defendem a prisão já na condenação
em segunda instância lembram a constrangedora lentidão da Justiça, o festival
de recursos que prorrogam decisões e enriquecem advogados por décadas e o
quanto os réus ricos se dão bem e os pobres se dão mal. Assim como não é
possível falar que a reforma do ensino médio vai tornar o sistema mais injusto
socialmente (?!), não se pode imaginar que o cumprimento de pena
tempestivamente tornará o sistema mais injusto juridicamente. A realidade da
Justiça no Brasil é estridente.
Procuradores, promotores, delegados e investigadores
aplaudiram a decisão do STF, mas advogados e os mais puristas condenaram e
alguns alardeiam que a luta continua para repor o velho processo que permite
certos políticos atravessarem governos, mandatos, eleições e décadas driblando
a Justiça.
Acusado de um desvio de mais de R$ 1 bilhão (em valores atualizados) do TRT-SP, o
empresário Luiz Estevão de Oliveira Filho – o “Leo green” das contas no
exterior – passou de instância em instância por duas décadas, até ser preso
neste ano graças à primeira decisão do Supremo a favor da prisão após a segunda
instância. O Senado cassou o seu mandato em 2000, mas a Justiça garantiu sua
impunidade nos 16 anos seguintes.
Nada é perfeito, mas faz-se justiça com processos justos,
amplo direito a defesa, provas claras e punição dos culpados. Condenar
inocentes é o cúmulo da injustiça, mas inocentar os culpados, inclusive por
omissão, também é. Num voto curto, claro, sem firulas, a ministra Cármen Lúcia
citou um crime comum, em que o réu matou, admitiu que matou e esgotaram-se
todas as possibilidades de provar sua inocência já na segunda instância. Mas os
principais defensores da nova regra não estão pensando só nos crimes comuns,
mas principalmente na corrupção, porque nada mais injusto do que roubar o
dinheiro público. Para refletir, todos os réus e advogados da Lava Jato, da
Zelotes e da Acrônimo são contra a prisão após a decisão de segunda instância e
a força-tarefa e os investigadores são a favor. De que lado será que a
sociedade está?
‘Dr. Diretas’. Reverência eterna ao deputado Ulysses
Guimarães, símbolo da política como a política deveria ser.
*Publicado no Portal Estadão em 07/10/2016
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