‘Novo animal da criminologia’*
Eliane Cantanhêde
Em depoimento à Comissão Especial
que analisa as dez medidas de moralização dos Poderes, o delegado aposentado da
PF Jorge Barbosa Pontes, que se formou no FBI e atuou na Interpol, disse que a
corrupção do Brasil não é só gigantesca como também criou uma nova modalidade
de crime ou, nas palavras dele, “um novo animal da criminologia”. Em vez de “crime
organizado”, aqui se tem “crime institucionalizado”, uma classificação
perfeitamente compatível com a expressão usada pelo ministro do Supremo Celso
de Mello para definir os desmandos revelados pela Lava Jato: “delinquência
governamental”.
O delegado explicou a diferença entre esse “novo animal”
e o crime organizado tradicional: um, o “organizado”, é praticado por grupos de
pessoas; o “institucionalizado” é comandado pelo “núcleo do poder”, no Planalto
e na Casa Civil, por exemplo, “e não usa armas, mas o Diário Oficial”. Lula,
aliás, é três vezes réu.
O presidente e o relator da comissão, Joaquim Passarinho
(PSD) e Onyx Lorenzoni (DEM), querem discutir o parecer final no início de
novembro e a semana que vem será animada. A comissão ouvirá o ministro
Alexandre de Moraes (Justiça) na segunda-feira, terá depoimentos todos os dias
e chegará a cem depoentes sobre as dez medidas apresentadas por procuradores e
subscritas, agora, por três milhões de brasileiros.
Só esse número comprova o quanto a sociedade está exausta
de desvios milionários e onipresentes. Como disse o ministro do STF Luís
Roberto Barroso aoEstado, “onde você destampa tem alguma coisa errada”. Ele não
citou, mas bem poderia ter citado a Petrobrás, a Casa Civil, Fazenda,
Planejamento, Minas e Energia, BNDES, Correios, Carf (o conselho revisor de
decisões da Receita), fundos de pensão e vai por aí afora. Destampou, achou.
Também participaram da sessão da comissão na terça-feira
duas representantes da chamada “sociedade civil”, Ana Paula Sayão e Rosa
Richter, e elas, assíduas no acompanhamento dos trabalhos, dizem que se
surpreenderam com o ritmo frenético da Câmara e com a seriedade de
parlamentares que estão de fato envolvidos na aprovação das propostas. O
Congresso, visto de dentro, é menos horripilante do que aparece na mídia...
Eis as 10 propostas: “testes de integridade” em agentes
públicos; criminalização do enriquecimento ilícito e do caixa 2 de campanha;
transformar corrupção em crime hediondo; apressar penas e prisões em crimes comprovados;
rapidez também nas ações de improbidade; acabar a prescrição ou ampliar prazos;
redução das nulidades penais; prisão preventiva para evitar evasão do fruto do
roubo; devolução do dinheiro desviado.
A questão do foro privilegiado para político fica fora,
porque exige Emenda Constitucional e poderia atrasar a aprovação do pacote. Mas
podem ser incluídas duas medidas pelas quais se bate Rubens Bueno (PPS):
aposentadoria para juízes afastados por corrupção e mais rigor com os
aditamentos em obras públicas, um ralo do dinheiro público.
Uma curiosidade: enquanto a comissão da corrupção se
reunia, o plenário guerreava para incluir no projeto de repatriação de recursos
a permissão para que familiares de políticos possam aderir e se beneficiar da
lei. Dureza, não?
ONU. Então
primeiro-ministro de Portugal, Antonio Guterres alertou em entrevista a mim e a
Rui Nogueira, em 1997: “É preciso regular a globalização. Ela é positiva e gera
crescimento da riqueza mundial e do comércio internacional, mas, se não tiver
qualquer regra, globalizará também a pobreza, nivelará por baixo os direitos
sociais e tenderá a aumentar o desemprego”. Segundo ele, a regulação deveria
ser pelas “instituições supranacionais”. Agora como diretor-geral da ONU, ele
tem o foro perfeito para conduzir esse debate. Antes tarde do que nunca.
*Publicado no Portal Estadão em 14/10/2016
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