A tentação totalitária do PT*
A crise que culminou com o impeachment da presidente
Dilma Rousseff parece ter estimulado o PT a adotar estratégias típicas de
movimentos totalitários. Numa delas, a realidade percebida pelos sentidos é
rejeitada in limine, pois é
considerada como uma mentira construída pelos inimigos do povo para realizar
seu perverso projeto de dominação. Em seu lugar, o PT oferece a “verdadeira”
realidade, aquela que se constitui do que não é perceptível, do que está
escondido, do que não se dá a conhecer senão por meio da revelação dos que
passaram pelo adequado treinamento ideológico. A ideologia petista dá a seus
simpatizantes o conforto de substituir o mundo real, com suas contradições e seus
acidentes, por um mundo em que tudo faz “sentido”, graças ao discurso que lhe
empresta coerência, mesmo que nada disso tenha a mais remota conexão com a
realidade.
É com esse viés que os petistas, derrotados pela
Constituição e pela democracia, querem fazer acreditar que o País viveu um
“golpe”, com a destituição da presidente Dilma Rousseff, e que agora está em
curso um processo que culminará em breve num “estado de exceção”, semelhante ao
da ditadura militar.
De acordo com essa estratégia, é preciso apostar na
confusão moral. A manutenção da ordem, dever da polícia, é tratada como
repressão arbitrária – e qualquer ato da polícia nesse terreno, mesmo que no
estrito cumprimento do seu dever, é logo apropriado e divulgado de forma
estridente pela máquina de propaganda partidária com o objetivo de construir a
realidade que lhe interessa.
Assim, uma manifestante que teve ferimentos num olho em
razão de estilhaços de uma bomba de gás lacrimogêneo atirada pela polícia, no
último dia 31 de agosto, foi imediatamente convertida em mártir petista. Sua
vida deixou de lhe pertencer. Ela passou a servir como ilustração do “golpe de
Estado dado no País”, como afirmou Dilma em seu perfil no Twitter. A moça foi
“vítima da violência policial que tenta reprimir manifestações democráticas”,
disse Dilma, sem se ater ao fato de que a bomba que feriu a jovem foi atirada
para dispersar vândalos e baderneiros, que não estavam fazendo nenhuma
“manifestação democrática” e tinham de ser contidos, como manda a lei.
Mas Dilma não tem nenhum interesse no mundo real.
Seguindo a delirante cartilha de seu partido, ela colhe acontecimentos aqui e
ali conforme estes se encaixem na tese lulopetista de que está em andamento uma
grande conspiração para estabelecer uma ditadura no Brasil, como a de 1964. “As
pessoas vão para as ruas e vem a repressão. Cegam uma menina. Depois, matam
alguém, como foi com o estudante Edson Luís”, disse Dilma em entrevista a
jornalistas estrangeiros, fazendo absurdo paralelo do caso atual com o do
assassinato de Edson Luís em março de 1968 pelas forças do regime militar. Mas
ela foi adiante: “O terrorismo de Estado é gravíssimo. O poder dele para
reprimir é muito forte. Assim começam as ditaduras”.
É com essa lógica rasteira que os petistas pretendem
convencer os brasileiros de que estamos às portas de um regime de exceção. O
objetivo é criar uma atmosfera favorável à defesa de soluções que, a título de
preservar a democracia, representariam na verdade uma ruptura, ou seja, um
golpe, cujo objetivo é restituir o poder aos que, em respeito à Constituição,
dele foram apeados. É o caso da proposta de antecipação das eleições
presidenciais, que o PT agora encampou sob o título “Diretas Já” – alusão
malandra ao nome do movimento que há mais de 30 anos ajudou a enterrar a ditadura
militar.
A resolução do PT que anunciou a tal “Diretas Já” nem se
dá ao trabalho de dizer como essas eleições seriam realizadas, já que
contrariam a Constituição. Mas o pensamento petista prescinde da razão – esta,
aliás, é sua inimiga mortal e deve ser combatida com todas as forças e por
todos os meios. Assim, sempre que alguém renuncia à capacidade de pensar e
abraça a lógica oferecida pela doutrina petista, o exército de liberticidas se
adensa, e o cerco pernicioso à democracia se fecha um pouco mais.
*Publicado no Portal estado.com em 06/09/2016
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