Uma conspiração em
curso*
A terceira lei de
Newton, princípio da Física segundo o qual “toda ação provoca uma reação de
igual ou maior intensidade, mesma direção e em sentido contrário”, aplica-se
também na política, como se vê pelo movimento silencioso que se articula nos
bastidores do Congresso com o objetivo cínico de incluir na pauta das reformas
políticas, que começarão a ser decididas após as eleições municipais, a ideia
nada sutil de algum tipo de anistia para políticos envolvidos nos casos de
corrupção. O fundamento dessa ideia maliciosa – que com certeza será rejeitada
pelos brasileiros quando vier a público – é o de que o combate à corrupção
simbolizado pela Operação Lava Jato é meritório, mas precisa ser contido dentro
de limites que não comprometam o habitual desenvolvimento do jogo político.
Em resumo, o argumento central dessa reação dos maus
políticos aos rigores da Lava Jato é o de que é preciso distinguir entre os que
faturam “por fora” para enriquecer e quem o faz “apenas” para se eleger. Essa
ideia marota, patrocinada por um time poderoso cuja escalação qualquer pessoa
que acompanhe o noticiário político tem em mente, significa estabelecer uma
clara distinção entre caixa 2 e propina, descriminalizando o primeiro por meio
de algum expediente técnico-jurídico. Afinal, o custo das campanhas eleitorais
anda pela hora da morte e se tornou insuportável com a proibição do
financiamento eleitoral por pessoas jurídicas.
Os maus políticos embarcam nessa conspiração contra a
moralização de suas atividades por uma simples razão: não sabem fazer política
de outro jeito. Estão inexoravelmente vinculados ao patrimonialismo que
predomina na vida pública. Essa distorção extremamente nociva do trato da coisa
pública contamina até mesmo o glamourizado “idealismo da esquerda”. Tornou-se
comum, depois da devastadora passagem do lulopetismo pelo poder central,
notórios esquerdistas fazerem vista grossa à ladroeira patrocinada pelos poderosos.
Na verdade, é preciso considerar que nas últimas décadas
se consolidou o conúbio entre os partidos – todos eles – e o grande capital
patrocinador de eleições. E isso se fez ao abrigo da lei – ou seja, não era
ilegal receber doações, desde que registradas na Justiça Eleitoral.
Diante desse quadro promíscuo, é razoável supor que os
agentes da Lava Jato e congêneres eventualmente se deixem levar pelo entusiasmo
ou pelo excesso de zelo e ultrapassem os limites de sua competência. Abusos
desse tipo devem ser reprimidos e corrigidos. Mas os fatos demonstram que em
dois anos e meio na coordenação da Lava Jato em primeira instância é
insignificante a quantidade de despachos do juiz Sergio Moro que foram
reformados pelas instâncias superiores.
Assim, é inegável que, felizmente, o bom senso esteja
prevalecendo nas decisões judiciais relativas a questões especialmente
delicadas como a contribuição de empresas a campanhas eleitorais, agora
proibida. E o bom senso mostra que as doações eleitorais por parte de pessoas
jurídicas – inclusive grandes empreiteiras – nem sempre foram ilegais,
sub-reptícias, destinadas a proporcionar vantagens mútuas condenáveis. É
necessário saber distinguir entre doações recebidas de boa-fé e aquelas que
foram produto de desvios e ilegalidades diversos. Na espécie, não cabem
generalizações injustas. Essa distinção precisa ser feita até para neutralizar
a tentativa de empresários delatores que têm interesse em meter no mesmo saco
todos a quem deram dinheiro, inclusive aqueles que receberam a doação de
boa-fé, sem oferecer contrapartida ilícita.
Os que conspiram contra a Lava Jato queixam-se de que os
agentes federais tendem a pecar por excesso de rigor, exagerando em sua ação.
Se existe algum excesso ou exagero é na sem-vergonhice com que maus políticos
se entregaram à corrupção, ativa e passiva, sob o argumento despudorado de que
essa é a “regra do jogo”. Essa regra foram eles próprios que criaram. Está mais
do que na hora de mudá-la, por meio de uma reforma político-partidária que
deixe bem claros e separados os campos da militância em favor do interesse
público e a mera bandidagem.
*Publicado no estadao.com em 15/08/2016
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