O crime compensa?*
Eliane Cantanhêde
Estarrecida, a opinião pública brasileira é surpreendida,
todo santo dia, com uma nova operação da Polícia Federal e detalhes nauseantes
de corrupção. Num dia, assalto ao crédito consignado de servidores endividados.
No outro, desvio de verbas da Lei Rouanet para casamentos luxuosos. Num
terceiro, mensalinho para a madrinha da bateria de uma escola de samba e R$ 18
milhões para empresa desistir (!) de contrato. E os valores?! Ladrão de
colarinho branco não é nada modesto, tudo é na casa dos R$ 70 milhões, R$ 100
milhões, R$ 370 milhões...
Por trás desses desvios “pitorescos” de dinheiro público
e desses milhões surrupiados da saúde, da educação, da habitação..., há sempre
um esquema envolvendo agentes públicos, empresas privadas, doleiros e,
invariavelmente, políticos. Um “abismo” de corrupção, como ilustra o nome da
nova operação, com foco no Centro de Pesquisa da Petrobrás.
Há um lado péssimo nisso tudo, a revelação de quão
corrupto o Brasil se tornou, até bater nesse “abismo”. E há um lado ótimo:
nunca antes neste país as investigações foram tão longe, atingiram tantos
culpados e remexeram tanto as entranhas de um poder doentio, fétido. Mas há
ainda incertezas quanto às consequências. Quando um Carlinhos Cachoeira
ressurge, todo sorridente, sendo mais uma vez preso, para ser solto no dia
seguinte, a sensação é de indignação. Santa falta de tornozeleiras!
Em 2002, Cachoeira filmou um pedido de propina de
Waldomiro Diniz, braço direito de José Dirceu no início da era Lula. Em 2012,
Cachoeira caiu na Operação Monte Carlo, sobre um esquema de máquinas
caça-níquel, e ficou nove meses preso. Em 2013, foi flagrado dirigindo
embriagado e se safou ao pagar fiança. Em 2016, caiu de novo, agora na Operação
Saqueador, sobre lavagem de R$ 370 milhões.
Foi aí que a opinião pública descobriu que, apesar de
condenado a 39 anos por peculato, corrupção ativa, violação de sigilo e
formação de quadrilha, Cachoeira vai muito bem, obrigada, com mulher bonita e
filha bebê – enquanto os não delatores, como José Dirceu, amargam a dura vida
na cadeia. O que ainda falta para que esse contraventor pare de rir e pague
pelos crimes que cometeu, comete e continuará cometendo?
A isso se some a boa vida dos ladrões de colarinho branco
que entregam os comparsas. A delação premiada é um instrumento efetivo,
reconhecido e essencial nas investigações, mas, com o número de delatores
chegando perto de cem, o prêmio começa a parecer excessivo. Muito roubo para
pouca pena. Como mostrou a revista IstoÉ desta semana, Pedro Barusco,
ex-gerente da Petrobrás (atenção: nem diretor era!), fez delação,
comprometeu-se a devolver US$ 100 milhões (quase R$ 400 milhões) e, assim,
livrou-se da cadeia e está recolhido ao aconchego do lar, uma bela mansão com
piscina, na praia de Joatinga, com uma das vistas mais lindas do Rio.
E vai por aí afora. Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró,
Fernando Baiano e, não tarda muito, também Sérgio Machado, roubaram, roubaram e
roubaram dinheiro público, mas, como delataram os outros, são punidos com
tornozeleiras e trocam celas inóspitas, macacões coloridos, banhos frios e
rancho indigesto – destinados, por exemplo, a Roberto Jefferson – e vão
lamentar a sorte em mansões de milhares de metros quadrados, quadras
desportivas, piscinas espetaculares, vistas estonteantes. Vale a pena delatar!
Vale a pena roubar?
Só falta agora o deputado afastado Eduardo Cunha delatar
todo mundo, devolver um bocado de verdinhas das suas trustes na Suíça e aderir
a uma tornozeleira eletrônica para curtir férias douradas num apartamento
milionário, abastecido com os melhores uísques e os vinhos mais caros, com a
mulher desfilando suas bolsas Prada do quarto para a sala e da sala para a
cozinha. Pronto, Justiça feita!
*Publicado no Estadão.com em 05/07/2016
Eu só sei que, na prática, o que acontecei foi que estamos descobrindo os maiores ladrões do Brasil, vide a delação do Machado que acabou com o PMDB. Sem a delação premiada isso não aconteceria NUNCA!
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