Habeas corpus preventivo*
Diante do amplo elenco de ilicitudes de que Lula é
suspeito de ter praticado desde que assumiu a Presidência em 2003, a tentativa
de ocultar a propriedade de imóveis como o de Atibaia é café pequeno
Se Lula da Silva for
preso proximamente pela Polícia Federal, não importa por qual motivo, parecerá
ao mundo que é vítima de retaliação pelo fato de ter “denunciado” o Estado
brasileiro ao Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU)
pelo “abuso de poder” que teria sido praticado contra ele pelo juiz federal
Sérgio Moro e pelos procuradores da Operação Lava Jato. Pois foi certamente por
esse motivo esperto – a garantia de uma espécie de habeas corpus preventivo com
aval internacional – que o chefão do PT foi apresentado como vítima de
perseguição política. No mesmo dia, a Operação Lava Jato tornou público um
laudo pericial da Polícia Federal que revela a existência de fortes indícios de
que o casal Lula-Marisa Letícia tenha dado instruções específicas aos
encarregados de realizar a instalação de uma “cozinha gourmet”, no valor de R$
252 mil, no aprazível sítio de Atibaia que ambos negam veementemente ser de sua
propriedade. E, no dia seguinte, Lula da Silva tornou-se réu, acusado de
obstrução da Justiça.
Diante do amplo elenco de ilicitudes de que Lula é
suspeito de ter praticado desde que assumiu a Presidência em 2003, a tentativa
de ocultar a propriedade de imóveis como o de Atibaia é café pequeno. Não se
compara à responsabilidade que lhe é atribuída, por óbvia, de ser o chefe da
quadrilha que por mais de uma década aparelhou o Estado, cooptou aliados a peso
de ouro e assaltou os cofres públicos, especialmente os das empresas estatais,
com o objetivo de perpetuar um projeto de poder e enriquecer políticos,
funcionários públicos e empresários inescrupulosos.
Alegam os filopetistas, de modo especial os intelectuais
e artistas que gostam de parecer paladinos da justiça social, que o lulopetismo
inaugurou uma era de conquistas populares e de desenvolvimento econômico, e que
para fazê-lo teve de se submeter ao constrangimento de alianças indesejáveis,
mas necessárias ao ato de governar. Ou seja: os fins justificam os meios. Mas o
que na verdade resultou provado com o catastrófico desenlace da aventura
lulopetista é que os meios explicam o fim do sonho de um projeto de poder que
pode ter até nascido com as melhores intenções, mas que ao longo do caminho se
deixou perder pela soberba, pela incompetência e pela corrupção.
Hoje, os brasileiros sofrem com o legado de desesperança
que receberam de Lula e de sua desafortunada sucessora. Depois de ter frustrado
todas as expectativas criadas por um perverso populismo que dividiu o País
entre “nós” e “eles”, Lula vê agora frustrada sua própria expectativa de ter
repouso virginal no panteão dos grandes heróis internacionais das causas
populares. E reage com a mesma falta de escrúpulos que o levou aos descaminhos
da moralidade na tentativa de se safar das consequências legais de seus trambiques.
Pouco se lhe dá se, assim procedendo, enxovalha a imagem do Brasil no principal
foro político internacional. Pois, recorrendo ao Comitê de Direitos Humanos da
ONU, Lula pode querer denegrir o juiz Moro, mas o que de fato faz é tentar
comprometer o Estado brasileiro, insinuando que suas instituições são inermes
diante do arbítrio de um funcionário. Com essa atitude mendaz, Lula quer fazer
crer ao mundo que a Lava Jato transformou o País numa republiqueta refém do
“abuso de poder” de uma autoridade judicial que peca pela “clara falta de
imparcialidade” e se dedica a sucessivos “atos ilegais” movida pela obsessão de
condená-lo.
Esse é o inescrupuloso estilo lulopetista de se safar de
dificuldades: atirar para todos os lados, não importa quem possa ser atingido.
É assim que Lula e sua tigrada se têm comportado desde o início do processo de
impeachment contra Dilma Rousseff, acionando suas relações nos círculos e foros
esquerdistas internacionais para veicular a versão de que o Brasil está sendo
vítima de um “golpe”.
É improvável que a “denúncia” de Lula progrida. Entre
outros motivos, porque antes de o Comitê da ONU se manifestar sobre a petição,
será necessário que Lula prove ter esgotado todos os recursos legais no Brasil
para se livrar do “abuso de poder”. E mesmo que se configure a improvável
hipótese de que a “denúncia” seja aceita para julgamento, a análise do processo
pode se estender por cerca de dois anos. Para Lula, isso pouco importa. O que
ele quer é manter a Polícia Federal longe de sua porta.
*Publicado no estadão.com em 30/07/2016
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