Venezuelanos
apelam
a grupos humanitários
a grupos humanitários
Organizações de ajuda denunciam incapacidade de
governo chavista de lidar com crise que esvazia prateleiras de supermercados e
farmácias. (Foto:Reuters/Reprodução)
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Organizações humanitárias esforçam-se para ajudar os
venezuelanos, que vêm sofrendo com a maior crise econômica das últimas décadas
no país, intensificada por um impasse político. Na semana passada, a ONU
cogitou de enviar uma missão humanitária ao país – algo inédito em uma nação
que não está em guerra.
De um lado está o governo chavista de Nicolás Maduro, que
tenta dissolver a Assembleia Nacional, e de outro estão os opositores da Mesa
da Unidade Democrática (MUD), que são a maioria no Parlamento e procuram
recolher o número de assinaturas necessárias para revogar, por meio de um
referendo, o mandato do presidente.
Diante da acentuada escassez de alimentos e medicamentos,
os venezuelanos enfrentam diariamente as consequências da deterioração da
capacidade do poder público de fornecer as condições básicas de vida para os
cidadãos, diz o ativista Feliciano Reyna, fundador das organizações
humanitárias Acción Solidaria e Codevida (Coalizão das Organizações pelo
Direito à Saúde e à Vida).
Dependente de produtos importados, a Venezuela registra
ampla escassez. Faltam alimentos nos mercados e medicamentos em farmácias e
hospitais. Segundo a Federação Farmacêutica venezuelana, os produtos mais
escassos são aqueles utilizados para tratamento de câncer, diabetes, epilepsia,
doenças cardiovasculares e respiratórias, além de analgésicos e antibióticos.
Dentre os alimentos, os mais difíceis de se encontrar são as farinhas de milho
e trigo, arroz, café, açúcar e leite.
A precariedade dos atendimentos médicos e a falta de
equipamentos e materiais vêm aumentando desde 2014. O país contabilizou 3.719
denúncias de deficiências no sistema de saúde somente em 2015, o que representa
um aumento de 40% com relação a 2014, segundo relatórios do Programa
Venezuelano de Educação - Ação em Direitos Humanos.
Também em 2015, o gasto com o sistema público de saúde –
que atende a mais de 80% da população – aumentou somente 13%, sendo que 74%
dele foi financiado com créditos adicionais, dependentes dos recursos externos.
O relatório aponta que, até março, a dívida com fornecedores de suprimentos do
exterior chegava a US$ 6 bilhões.
Nesse cenário, Reyna afirma que é muito comum ouvir
testemunhos de pessoas que tiveram de interromper algum tipo de tratamento em
razão da falta de remédios. “O que temos feito com a Acción Solidaria é doar
medicamentos para pessoas que não podem encontrá-los no sistema público de
saúde ou em farmácias”, afirma.
Rosa Laudares, seus filhos Albert, Yeiderlin e Abel, e o que resta na despensa da casa. |
A escassez é refletida na dificuldade de combater doença
como dengue, chikungunya e zika, o que torna a Venezuela um dos países mais
vulneráveis da América do Sul. Segundo Boletins Epidemiológicos Semanais do
Ministério da Saúde, o país registrou mais de 80 mil casos de dengue entre 2014
e 2015. Em janeiro deste ano havia 4,7 mil casos suspeitos de pessoas com o
vírus zika e 90 casos de síndrome de Guillain-Barré (que atinge o sistema
nervoso).
O desabastecimento compromete a acessibilidade aos
serviços básicos de atendimento. “A situação dos hospitais públicos é
desoladora. As pessoas organizam as próprias redes para suprir a falta de
medicamentos, que chegam a conta-gotas e de maneira muito irregular aos locais
de distribuição”, diz Eleonora Cróquer, uma professora universitária de classe
média, separada e com uma filha de 10 anos. “Os produtos nos mercados de luxo
têm preços impossíveis para qualquer pessoa que não tenha muito dinheiro. Eu,
como professora, não tenho como pagar.”
Desespero. Apesar do trabalho de algumas
instituições, Eleonora afirma que a ajuda humanitária não chega a muitas
pessoas. A professora de Ciências Políticas e coordenadora de Especialização em
Opinião Pública e Comunicação Política da Universidade Simón Bolívar, Yetzy
Villarroel, explica que os grupos têm pouca capacidade de organização. “As
famílias recorrem a vizinhos e grupos organizados nas redes sociais” para
contornar o problema.
Para ela, a situação é “dolorosa” e “alarmante”, agravada
pelo fato de que Maduro nega a existência de uma crise. “O problema para
aceitar ou não ajuda humanitária está em como se entende a crise, tanto por
parte do governo quanto da oposição”, destaca Yetzy.
“As organizações internacionais não podem intervir se o
Estado não pedir”, afirma a professora, ressaltando que os partidos políticos
“têm demonstrado sua incompetência para enfrentar a situação”.
Para Erika Guevara-Rosas, diretora da Anistia
Internacional para Américas, o problema vai além. “Temos visto muitas violações
dos direitos humanos por parte do Estado, como limitação da liberdade de
expressão e do exercício dos direitos civis e políticos.” A situação se torna
ainda mais complexa, pois o país é um dos mais violentos do mundo. O
Observatório Venezuelano de Violência aponta que no fim de 2015 foram
registradas mais de 27 mil mortes violentas, em uma taxa de 90 mortos para cada
100 mil habitantes.
“De um lado, há pessoas desesperadas para conseguir
alimentos básicos e remédios, e, de outro, há violações dos direitos cometidas pelas
forças de segurança.” A combinação de todos esses fatores cria uma situação
preocupante, destaca Erika.
Nos supermercados, pessoas gastam horas, ou dias, em
longas filas para comprar mantimentos. A diretora afirma que a Anistia quer
oferecer recomendações e soluções, além de manter aberto o diálogo com Maduro
para ajudar o povo venezuelano, pois a dinâmica conflituosa entre um governo
que controla a Justiça e uma Assembleia Nacional controlada pela oposição “não
está necessariamente ajudando a lidar com a crise que a população enfrenta”.
*Publicado no estadão.com em 25/07/2016
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