A nebulosidade sobre Porto Alegre, pare com o Brasil, ou
seja, quase não se consegue ver nada na frente. Daminha janela, vejo o outro
lado da rua e olhe lá. Se o sol aparecer, pode ser que o dia melhore, mas não
tenho muitas esperanças.
Para começar o domingo, na minha passada pelos portais de
notícias, destaquei o comentário da jornalista Eliane Cantanhêde. É imperdível.
Estouro da boiada*
Eliane Cantanhêde
A Câmara dos Deputados chegou à redemocratização com o
inatacável Ulysses Guimarães na presidência, mas acendeu o sinal amarelo com a
eleição do indescritível Severino Cavalcanti e o sinal vermelho com o
duplamente réu Eduardo Cunha e, agora, não apenas convive com o inacreditável
Waldir Maranhão como está entre duas opções: ou um estouro da boiada e mais um
presidente problema, ou uma união das forças políticas em torno de um nome
palatável pela opinião pública.
Os maiores partidos, PMDB, PSDB e PT, simplesmente não
apresentaram candidatos, para não piorar a implosão da Câmara e para esperar
2017. Mas, além deles, nenhum outro partido fechou firmemente em torno de um nome
que preencha requisitos básicos, como o respeito da grande maioria e uma ficha
razoavelmente limpa. Está difícil!
Eleições para as presidências da Câmara e do Senado
deveriam ser como quaisquer outras, quando sempre despontam nomes naturais, com
liderança, legitimidade e ampla simpatia entre seus pares, como o de Ulysses,
que era inquestionável. Mas os Ulysses andam em falta, e Severino Cavalcanti,
de triste memória, acabou chegando lá exatamente por eliminação: não havia
soluções naturais, nem consenso em torno nomes. “Se não tem tu, vai de tu
mesmo.” Depois, aguenta.
Hoje, a situação é ainda mais complexa: a sucessão de
Eduardo Cunha gira em torno do próprio Eduardo Cunha. Com uma multidão de
candidatos avulsos no primeiro turno, o segundo será entre o candidato dele e
aquele que galvanizar o anti-Cunha, criando um interessante movimento: Planalto
e líderes anti-impeachment, PT e PSDB, todos teriam de tapar o nariz e se unir
em torno de um mesmo candidato contra o “inimigo comum”. Até ontem, o nome mais
forte era Rodrigo Maia (DEM), mas isso sempre pode mudar.
Assim, a maior força do deputado Rogério Rosso (PSD-DF) é
Cunha (no primeiro turno) e a maior fraqueza de Rosso também é Cunha (no
segundo). Os demais não são candidatos ainda a presidente, mas candidatos a
antídoto contra Cunha e Rosso, sem que nenhum deles consiga convencer nem ter
apoio consensual nos seus próprios partidos. O PSB, o PP, o DEM, todos têm mais
de um postulante, o que pode chegar a uma lista de 14 nomes. Quando há tantos,
é porque não há nenhum. Logo, o estouro da boiada é no deserto.
O Planalto emite sinais contraditórios. Michel Temer se
encontra com Cunha no escurinho do Jaburu num domingo à noite, mas nega. É
suspeito de tramar um acordão com Cunha para adiar sua cassação e garantir-lhe
ingerência na escolha do sucessor, mas nega. Jura que o Executivo não vai se
meter numa decisão da Câmara, mas sua entourage não faz outra coisa, claro. Um
adversário na presidência da Câmara?!
Enquanto isso, o Centrão bate cabeça, a base aliada ao
Planalto está pulverizada em várias candidaturas e a “nova oposição” (PT e seus
seguidores), que andava muito silenciosa, monta uma armadilha para Temer. Ou
todos fecham com Rodrigo Maia, ou vem aí o ex-ministro da Saúde do final de
Dilma, Marcelo de Castro, como forma de encurralar o presidente interino. Ou
apoiar Castro, que votou contra o impeachment, mas é do PMDB, ou optar pelo
Rosso ou um candidato qualquer de Cunha, confirmando a tese indigesta de um
“acordão” entre Temer e Cunha.
Tudo está confuso, incerto e expondo as entranhas da
Câmara: partidos rachados; um presidente que jamais deveria chegar aonde chegou
e corre o risco de sair dali direto para a prisão; um substituto não só incapaz
em vários sentidos como capaz de tentar um golpe para anular o impeachment
aprovado em plenário; a inexistência de dois ou três líderes que emergissem
como soluções naturais; logo, uma preocupante rejeição da opinião pública.
E a Lava Jato nem começou ainda a julgar, condenar e
prender os políticos. Imaginem quando começar...
*Publicado no Estadão.com em 10/07/2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário