Recurso de
Desesperados*
Diante das
evidentes indicações de que, também no Senado, a maioria quer o afastamento da
presidente Dilma Rousseff, o governo já tomou a decisão de questionar na
Justiça o processo de impeachment como último recurso para impedir a cassação
do mandato da chefe do Executivo. Ao que tudo indica, aguarda apenas que os
senadores se manifestem sobre a admissibilidade do processo já aprovada pela
Câmara dos Deputados. O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, não
deixou dúvidas quanto à disposição do governo. “Sim, há várias questões (no
processo) que podem ser judicializadas, a começar pela própria existência, a
nosso ver, da justa causa para o impeachment. Vamos avaliar e no momento
oportuno entraremos com as ações”, disse ele ao jornal Valor.
Ao se valer de
um desesperado recurso à Justiça, o governo, sem o admitir, reconhece sua
derrota no plano político. Provavelmente os senadores aceitarão por maioria
simples (41 votos) o prosseguimento do processo de impeachment. Então Dilma
será afastada do cargo por até 180 dias, enquanto os senadores debatem o mérito
do pedido de impeachment. Ela parece acreditar que poderá se livrar dessa
ameaça pedindo a anulação de todo o processo por meio de recurso ao Supremo
Tribunal Federal (STF).
A tese
monocórdica da defesa da presidente é que a tentativa de impeachment é um
“golpe” por não ter fundamento constitucional. Os crimes de responsabilidade de
que ela é acusada “não existem” – mentira insistentemente repetida pelos
petistas na esperança de torná-la verdade – tanto no que se refere às
“pedaladas” fiscais quanto à emissão de decretos para liberar recursos sem
autorização prévia do Legislativo.
Em relação às
“pedaladas”, o argumento do advogado-geral da União é que, ao tentar resolver
um problema de caixa retendo deliberadamente os repasses às instituições
financeiras oficiais de recursos destinados ao pagamento de programas sociais,
obrigando-as a utilizar seus próprios recursos, o governo não tomou um
empréstimo – o que a lei proíbe –, mas apenas “retardou”, às vezes por mais de
um ano, o pagamento por prestação de serviços. Cardozo pode dar à operação o
nome que melhor lhe aprouver, mas ela continuará sendo uma transação
considerada ilegal pela legislação. É uma ilegalidade que justifica, sim, o
processo de impeachment.
A configuração
do crime de responsabilidade está demonstrada na denúncia dos advogados Hélio
Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaina Paschoal e justificou, na Câmara, a
aprovação da admissibilidade do processo de impeachment da presidente e seu
encaminhamento para o Senado. Antes de ser votado pelos deputados, o pedido de
impeachment teve o apoio do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
E vários ministros do STF reconheceram que, previsto na Constituição, o
processo de impeachment segue, até o momento, o rito definido pela própria
Suprema Corte.
Para José
Eduardo Cardozo, no entanto, esses ministros manifestam uma “opinião pessoal”.
Quando houver uma ação em curso, eles terão que se haver com os argumentos da
defesa que considera “irrebatíveis”. Ele entende que a Câmara dos Deputados fez
“um julgamento eminentemente político” do pedido de impeachment, o que
constitui “um desrespeito à Constituição”. Para evitar que o mesmo
“desrespeito” se repita Senado, Cardozo pretende expor seus argumentos diretamente
a cada um dos 81 senadores e insistir no mantra: “Não existe crime de
responsabilidade”. Decerto terá muito trabalho.
Outro defensor
de Dilma, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), anuncia que o PT pretende reunir
“8 mil estudiosos do Direito” de todo o mundo numa espécie de “tribunal
internacional paralelo” destinado a “acompanhar o processo” com o objetivo de
“desmascarar a fraude e o golpe no País”.
Para tentar
escapar da derrota que se desenha inevitável – e que, insista-se, deverá
ocorrer com pleno respeito à Constituição –, o governo Dilma e os petistas não
se acanham em macular a imagem do País.
*Publicado no Estadão.com em 26/04/2016
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