O isolamento*
Eliane Cantanhêde
O Brasil, senhoras e senhores contra
ou a favor do governo, deu um show de democracia numa semana tão bombástica. No
domingo, 1,4 milhão de pessoas pintaram a Paulista de verde e amarelo para
gritar “Fora Lula, fora Dilma, fora PT”. Na sexta, 80 mil adotaram o vermelho
para rechaçar o impeachment e berrar o oposto: “Fica Lula, fica Dilma, fica
PT”. Não houve confronto, pancadaria, medo. Houve, sim, um espetáculo de
cidadania, além de uma oportunidade para comparações.
Os “coxinhas” de domingo, com seus
pais, filhos, vizinhos e colegas de trabalho, pareciam ir ao parque exigir um
País melhor e mais digno. Os “mortadela” de sexta, cansados de guerra em
manifestações, mudaram de lado: os mesmos que, corajosamente, iam às ruas para
cobrar justiça e combater a corrupção, agora vão para malhar o juiz Sérgio
Moro, símbolo exatamente de justiça e de combate à corrupção. E ninguém se
esgoelou contra o desemprego!
Foi a eles que o ex-presidente e
quase, futuro ou ex-ministro (é para não entender mesmo...) Lula se dirigiu com
a camisa e a cara vermelhas, voltando no tempo. Com o mesmo carisma e tom que o
transformaram no maior líder de massa da história recente, Lula ignorou o País
indo ladeira abaixo com Dilma e a indústria, as lojas, os serviços despencando.
Ignorou também o assalto à Petrobrás, a promiscuidade com as empreiteiras, as
múltiplas empresas dos filhos nos seus próprios anos. Falou dos ganhos de seis,
sete anos atrás, perdidos no espaço.
Se as imagens foram lindas e
incandescentes tanto no domingo quanto na sexta, foram diferentes dimensões: 23
quarteirões da Paulista no domingo, com as mais variadas pessoas e nenhuma
bandeira de partido, e onze na sexta, com militantes ou convocados pelo PT, PC
do B, CUT, MST, UNE. Em décadas anteriores, muitos daqueles de domingo eram
liderados por estes, da sexta, contra a ditadura, a favor das Diretas-Já, pelo
impeachment de Collor. Hoje, os de vermelho fecham-se em torno deles próprios.
Isso se repetiu pelo País todo e casa
com o ambiente de Brasília, onde Dilma e Lula trancam-se em palácio com os
aliados incondicionais, largam pelo caminho os conquistados pelo “Lulinha Paz e
Amor” e os anos de crédito, consumo e alegria e irritam os demais. O
procurador-geral, Rodrigo Janot, frisou que deve o cargo à sua longa carreira.
O decano do Supremo, Celso de Mello, considerou um “insulto” Lula chamar o
tribunal de “acovardado” nos grampos e Gilmar Mendes virou herói das redes
sociais ao suspender a nomeação de Lula para o ministério e jogá-lo de novo no
colo de Moro.
A OAB – autora do pedido de
impeachment de Collor – decidiu por 26 a 2 apoiar o de Dilma e a CNI prega que
“é imprescindível restabelecer a governabilidade”. Só faltou a Receita Federal
estranhar a carteirada de Lula para o ministro Nelson Barbosa (que é quem se
sai melhor das fitas...) estancar as investigações no Instituto Lula.
Para fechar a semana, o novo ministro
da Justiça, Eugênio Aragão, que era do MR-8, passou pelo Santo Daime e virou
ministro porque o antecessor foi derrubado pelo STF e José Eduardo Cardozo se negava
a meter a mão na PF, declara ao repórter Leandro Colon que “se sentir cheiro de
vazamento (das investigações), a equipe da PF será trocada, toda”. Pronto,
incendiaram de vez a PF. Ficou faltando alguma instituição?
*Publicado no Portal do estadão em 19/03/2016
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