O conselheiro da presidente*
A prisão do marqueteiro João Santana
em nova fase da Operação Lava Jato atinge em cheio o centro do poder em
Brasília, uma vez que fica exposta a forte ligação de confiança entre a
presidente Dilma Rousseff e o homem que, mais do que principal estrategista de
suas duas campanhas eleitorais, tem sido um de seus principais conselheiros,
frequentemente consultado sobre questões políticas, além de assídua
participação na elaboração de estratégias de comunicação e marketing do
governo. O grau de confiança depositado por Dilma Rousseff em João Santana
deixa a presidente da República em situação difícil e constrangedora diante das
graves suspeitas sobre ilicitudes praticadas pelo marqueteiro em suas relações
profissionais com o governo e o PT.
Em resumo, Santana e sua mulher e
sócia, Mônica Moura, foram presos porque são suspeitos de receber, em contas no
exterior, como pagamento por serviços prestados ao PT na campanha presidencial
de 2014, US$ 7,5 milhões provavelmente desviados da Petrobrás.
Enquanto o PT e seu principal líder,
Lula, afundam-se no mar de lama que criaram, Dilma Rousseff tem conseguido
permanecer distante de suspeitas de envolvimento nas ilicitudes que se tornaram
prática habitual na gestão da coisa pública, escudando-se por detrás da imagem
de lutadora idealista que não tem sequer “conta no exterior”. Nessa linha,
optou claramente por antepor-se à imagem do desmoralizado presidente da Câmara
dos Deputados, Eduardo Cunha, envolvido dos pés à cabeça em denúncias de
corrupção. Manteve-se distante dos companheiros de partido e aliados que se
lambuzaram, tentando transmitir para o público a imagem da idealista que não
suja as mãos na corrupção, que combate “a ferro e fogo”.
Se é até possível acreditar que, por
convicção pessoal, Dilma não procure se beneficiar materialmente das
facilidades que o poder proporciona, mais difícil de crer e explicar é que não
perceba o que acontece em seu entorno. E essa é a questão que inevitavelmente
assalta a consciência de qualquer pessoa minimamente informada num momento como
este, em que o guru em marketing eleitoral e conselheiro político da presidente
da República é preso no curso de investigações sobre o escândalo da Petrobrás e
suas implicações com a eleição presidencial.
Depois de quase dois anos de
exaustiva investigação da Lava Jato e da condenação de dezenas de réus, muitos
deles confessos, pelos mais variados crimes relacionados ao bilionário
propinoduto montado na Petrobrás, é impossível de imaginar, a não ser de má-fé,
que esse monumental esquema de corrupção tenha, durante quase uma década,
desviado recursos da estatal e nem um mísero centavo tenha caído nos cofres do
PT. Dilma parece não ver isso.
A expertise de João Santana – que tem
em seu currículo meia dúzia de eleições presidenciais vitoriosas na América
Latina – custa caro. Mas isso nunca foi problema para o PT, que aprendeu que
pode contar com bons amigos para armar habilidosas engrenagens capazes de fazer
o dinheiro que está aqui logo em seguida aparecer ali, geralmente bem longe do
Brasil. Essa prática, aliás, já fora utilizada pelo PT para pagar seu
marqueteiro da campanha eleitoral de 2002, Duda Mendonça, que a confessou,
lacrimoso, em depoimento a uma CPI em Brasília. Mas os tempos eram outros e o
País vivia ainda o clima mítico em que a obra de redenção social em pleno curso
não poderia ser maculada por detalhes insignificantes. Demorou um pouco para
pelo menos parte da consciência nacional se dar conta de que populismo e
malandragem são velhos parceiros.
É claro que esse novo e espetaculoso
episódio do processo de saneamento a que a Operação Lava Jato e congêneres
estão submetendo a administração pública será como lenha na fogueira do
impeachment de Dilma Rousseff, seja por crime de responsabilidade, seja por
violação das regras eleitorais. E se isso vier a acontecer será no mínimo
irônico verificar que o combustível terá sido fornecido por quem contribuiu
decisivamente para as duas eleições de Dilma.
*Publicado no Portal Estadão em
24/02/2016
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