O fator ‘amante’*
Eliane Cantanhêde
Quase 30 anos depois, eis que uma nova Miriam (agora com N)
adentra a vida política nacional com histórias sobre relações perigosas, filhos
fora do script e abortos clandestinos. Na campanha de 1989, Miriam Cordeiro foi
usada e se deixou usar covardemente por Fernando Collor contra seu adversário
do segundo turno, Luiz Inácio Lula da Silva. No desastre político e econômico
de 2016, chega da Europa a voz de Mirian Dutra, dando de bandeja para o PT de
Lula munição contra Fernando Henrique Cardoso.
O mundo dá voltas, a política é estonteante e os métodos que o
PT e o País condenavam contra aquele Lula de antigamente são agora assimilados
como válidos e pertinentes contra os adversários deste Lula de hoje em dia – e
com a rapidez e a irresponsabilidade típica das redes sociais. Quem te viu,
quem te vê?
Sem entrar em questões de ordem íntima e moral, que dizem mais
respeito a pessoas, casais e famílias, as recentes declarações da jornalista
Mirian Dutra, amante de Fernando Henrique nos anos 1980 e 1990, podem vir a ser
um fato político importante, com repercussão nada desprezível na barafunda que
o País vive.
A sua entrada em cena e o que ela diz embaralham o jogo
político, desviam o foco do tríplex, do sítio, dos filhos e da venda de medidas
provisórias e reforçam a estratégia do PT. Quando não tem defesa, ataca
martelando no imaginário popular que sempre foi assim e todos são iguais,
reagindo com uma espécie de bordão: “E o PSDB? E o Fernando Henrique?”.
A intenção é disseminar a percepção de que Lula é uma vítima de
investigações “seletivas”. No mínimo, as pessoas que veem TV, ouvem rádio, leem
jornais e estão grudadas na internet detectam que, se a situação de Lula e do
PT é praticamente desesperadora, os tucanos também não têm muito a comemorar e
precisam botar as barbas de molho.
Ontem, já não se falava mais das agruras de Lula nas esferas da
polícia, do Ministério Público e da Justiça, mas sim no novo escândalo da
praça, que ainda por cima tem pitadas picantes (ou saborosas): Fernando
Henrique pagou ou não abortos da amante? O filho que justificou o financiamento
de 20 anos da jornalista é ou não dele? A empresa Brasif pagava ou não a
“mesada” e o silêncio dela?
É assim que o PSDB e seu principal líder vêm sendo empurrados
para uma crise política sem alternativas à vista, em meio a uma crise econômica
que caminha para ser a mais grave da história brasileira (três anos
consecutivos de recessão?!). Passam a ser o contraponto a revelações dramáticas
sobre um ex-presidente (Lula) e sobre o partido que se apresentava como o mais
ético das galáxias (PT).
Mirian Dutra joga declarações no ventilador contra Fernando
Henrique, um delator da Lava Jato cita o senador Aécio Neves, Justiça condena o
ex-presidente tucano Eduardo Azeredo a 20 anos, as investigações sobre desvios
da merenda escolar acossam Geraldo Alckmin em São Paulo e variadas suspeitas
rondam Beto Richa no Paraná. Diante da polarização entre PT e PSDB, a opinião
pública, sem pai nem mãe, não sabe para onde correr.
É assim que, sendo ou não confiáveis, as declarações da
jornalista entram no centro dos debates tanto de cidadãos bem informados quanto
das cúpulas partidárias. A história é feita também pelo “imponderável” e por
personagens muitas vezes inesperados. O major Vaz, Gregório Fortunato, uma
secretária, um caseiro, um irmão, uma amante ressentida que resolve abrir o
bico, seja por motivação íntima ou por interesses políticos e
financeiros.
*Publicado no Portal do jornal Estado de São Paulo em 19/02/2016
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