Estou retornando do feriadão de carnaval e assumindo,
definitivamente, minhas obrigações de todos os dias, tanto no trabalho, ou “na
firma”, como na postagem de comentários e notas aqui no blog machadofilho.com.
Na parte da tarde, devo retomar o ritmo normal de
divulgação de informações, mas aproveito este espaço da manhã para dividir com
todos, um dos editoriais de hoje do jornal O Estado de São Paulo – Ameaça real
à democracia – pela importância e realidade de seu conteúdo. Acho que todos
deveriam ler.
Prometo, também, compartilhar um outro editorial do Estadão, no
Facebook.
Tenham todos um Bom Dia!
Ameaça real à democracia
Em meio a
sucessivos escândalos de corrupção e ao contubérnio entre políticos e seus
“amigos” empresários, já ficaram claros para os brasileiros os danos causados
pelas relações obscuras entre os representantes eleitos pelo povo e seus
principais financiadores de campanha. O problema, como alerta um recente estudo
da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), vai muito
além da subtração de patrimônio público graças à ladroagem e às vantagens
indevidas. É a própria democracia que se degenera, o que demanda urgentes
reformas que impeçam a captura definitiva do sistema político pelo poder
econômico.
O estudo toca
num aspecto fundamental: não basta promover o crescimento; é preciso fazer com
que esses benefícios estejam ao alcance de toda a sociedade, reduzindo a
desigualdade. No Brasil, enquanto os mais pobres recebem assistência limitada e
dependem de serviços públicos indignos, as empresas que se associam ao Estado
usufruem de todo tipo de subsídio, garantindo-lhes prosperidade, faça chuva ou
faça sol. Não surpreende que, num cenário assim, a credibilidade do governo e
dos políticos seja cronicamente baixa, pois está claro que os eleitos não
governam para todos, e sim apenas para aqueles que alimentam a máquina
eleitoral, enquanto o resto da sociedade disputa as sobras do festim.
A única solução
para esse problema é reforçar a democracia, estabelecendo “um processo político
de alta qualidade no qual os cidadãos possam confiar”, diz o estudo. Para isso,
o desafio é, por meio da transparência e de uma regulamentação implacável,
acabar com o sistema em que o dinheiro de grandes doadores determina a atuação
dos eleitos – e a doação é recuperada na forma de contratos, benesses fiscais,
subsídios e empréstimos em condições privilegiadas. Uma pesquisa relativa ao
Brasil citada pela OCDE diz que as empreiteiras que doaram a algum candidato a
deputado pelo PT receberam em troca contratos de valor até 14 vezes superior ao
de suas contribuições se o político foi eleito.
Essas conclusões
bastam para atestar o acerto da decisão do Supremo Tribunal Federal, tomada no
ano passado, que baniu as doações de empresas para as campanhas eleitorais. Mas
seria ingenuidade imaginar que o problema da promiscuidade entre empresas e
políticos esteja resolvido, pois a criatividade e a ousadia dessa turma são
grandes. Em novembro, o Supremo teve de agir novamente, suspendendo os efeitos
de um projeto aprovado no Congresso que oficializava as doações eleitorais
ocultas – em que o dinheiro doado aos partidos é repassado aos candidatos sem
que o doador seja identificado. Sabe-se lá quantas vezes mais a democracia será
desafiada pelo engenho dos que pretendem transformar mandatos em oportunidade
de negócios.
O Brasil foi um
dos “estudos de caso” apresentados pela OCDE. Nele se observa que, entre as
eleições de 2006 e 2014, o porcentual de participação das doações de empresas
para as campanhas saltou de 66,49% para 76,48%. Na eleição de 2014, cerca de 20
mil empresas fizeram doações, mas apenas as 20 maiores foram responsáveis por
30% do total – e, não por coincidência, atuam em setores cujo chamado core business são as obras e os negócios públicos.
Tudo isso indica claramente que o sequestro do sistema de representação
política por parte das grandes corporações estava em ritmo acelerado no País,
até ter sido felizmente interrompido pelo Supremo.
O estudo mostra
ainda que é preciso urgentemente pôr um freio nos gastos de campanha. Em dólar,
a despesa total declarada pelos partidos em campanhas presidenciais no Brasil
saltou de US$ 33,9 milhões em 2002 para US$ 367,2 milhões em 2014.
Tal evolução
traduz a transformação das campanhas eleitorais em um dispendioso e vazio circo
marqueteiro, em detrimento do verdadeiro debate político. A manutenção dessa
situação só interessa a partidos com vocação autoritária e às empresas que
consideram a política um bom investimento.
Publicado no Estadão de 10/02/2016
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