Hoje
é um dia daqueles. O tempo é curto e a quantidade de tarefas é muito grande.
Não é queixa, apenas uma constatação e uma explicação para o fato de não poder
comentar o cotidiano, como faço todos os dias neste espaço.
Mas
substituo, com grande vantagem para os leitores, pelo editorial de hoje do
jornal Estadão, que comenta a palestra do presidente do STF, Ricardo
Lewandowski a estudantes de Direito em São Paulo, quando o Ministro escancara
sua coloração política, atropela a Constituição e, como se diz em São Gabriel,
mete o bedelho onde não foi chamado.
Tenham
todos um Bom Dia!
Apenas
um arroubo
O
Estado de São Paulo
17/11/2015
O
editorial Um crédito a ser preservado, publicado ontem, enaltecia o fato auspicioso de o Poder
Judiciário, como instituição, “ter sabido conquistar, nos últimos anos, o
respeito e a confiança dos brasileiros”. O texto fazia parte da grade de edição
para o fim de semana fechada na sexta-feira, mesmo dia em que o presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, em palestra a
estudantes de Direito em São Paulo, numa atitude que não condiz com o respeito
e a confiança que a Suprema Corte tem feito por merecer, formulou uma crítica
indireta, mas contundente aos amplos setores da sociedade que defendem o
afastamento de Dilma Rousseff. Classificou como “golpe institucional” o
exercício do direito constitucionalmente garantido aos cidadãos de pleitear a
aplicação dos instrumentos previstos pela Carta Magna para promover o
impeachment da presidente da República.
É
claro que, como cidadão, Ricardo Lewandowski tem todo o direito de cultivar e
defender convicções políticas, mas ele é o chefe do Poder Judiciário, condição
da qual, mesmo que queira, não pode se alienar por um momento sequer. Coisas do
ofício que ele abraçou. E, nessa condição, não cabe a ele se manifestar sobre
questões delicadas que, num ambiente político conturbado como o atual, podem
facilmente transformar o debate democrático em mero embate de paixões, como
também ressaltado no editorial de ontem.
Não
hesitou o ministro-presidente do STF em acenar com a ameaça de o País reviver o
pesadelo da ditadura militar – retrocesso contra o qual o Judiciário se tem
colocado como sólida barreira –, ao recorrer ao conhecido discurso do medo:
“Temos de ter a paciência de aguentar mais três anos sem nenhum golpe
institucional. Esses três anos (se houvesse um ‘golpe’) poderiam cobrar o preço de
uma volta ao passado tenebroso de 30 anos atrás”.
O
presidente do Supremo, com a sua fala infeliz, demonstrou não se ter dado conta
de não haver condições para a tal “volta ao passado” que teme. No domingo,
aliás, publicamos o editorial Os militares e a democracia exaltando a
incondicional adesão dos cidadãos fardados às instituições e aos princípios
democráticos.
Para
Lewandowski, as duras críticas que o governo de Dilma Rousseff tem recebido de
todos os setores da sociedade não passam de “cortina de fumaça” a encobrir
desígnios suspeitos. E garantiu: “O STF está atento também, não está se
deixando envolver emocionalmente por esses percalços que estamos vivendo. E,
insisto, esses percalços são passageiros”.
Certamente,
o STF, como instituição, não teria como nem por que envolver-se “emocionalmente”
na atual crise política, o que já não se pode dizer de seu presidente, a julgar
por suas próprias palavras. Pois não há outra explicação para o fato de
Lewandowski agir como porta-voz do Planalto e expor-se ao risco de “insistir”
em que “esses percalços são passageiros”. Arroubos dessa natureza comprometem o
fundamento do sistema democrático que, ao mesmo tempo, garante a autonomia e a
independência dos Poderes da República e delas depende.
Ricardo
Lewandowski também revelou uma posição incompatível com a de guardião da
Constituição ao criticar o Congresso porque “deixou de lado a sua função
legislativa e passou a exercer uma função investigativa”, como se essa função
investigativa não fosse decorrência natural da responsabilidade constitucional
do Parlamento de fiscalizar os atos do Executivo. Mas ele próprio admitiu aos
estudantes ter dúvidas sobre a questão: “Essa ideia de separação tão absoluta
de Poderes, hoje, não sei se ainda vigora”. Pelo sim, pelo não, foi a
Constituição vigente, que consagra a divisão de Poderes, que o ministro do STF
jurou cumprir e fazer respeitar.
Para
não deixar dúvidas sobre quais são suas afinidades políticas, o presidente do
STF fez coro à desconfiança dos atuais donos do poder em relação à imprensa: “O
País está funcionando. Há uma crise, a meu ver artificial. É claro que há uma
crise. Mas é uma crise de desconfiança. Também, de certa maneira, insuflada
diariamente pela mídia”.
Generoso
com seu colega, o ministro Marco Aurélio Mello classificou as palavras de
Lewandowski como um “arroubo de retórica”. A Nação, preocupada, espera que
tenha sido apenas isso.
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