Fim de festa
Eliane Cantanhêde
Luis Inácio Lula da Silva completou 70 anos ontem sem festa,
sem choro nem vela, vendo seu legado ir para o ralo pela enxurrada da Lava Jato
e pelo desastre do governo Dilma Rousseff e, não bastasse, esperneando e se
rebelando contra a primeira batida policial nas empresas de um dos filhos.
Podem vir outras. E podem atingir outros filhos. Não haveria um presente mais
amargo de aniversário.
Quanto mais Lula afunda nos próprios erros, mais o
antecessor Fernando Henrique Cardoso emerge e se livra do carimbo da “herança
maldita”, sem esconder a mágoa nem demonstrar clemência contra o antigo algoz.
Em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, justamente no dia
da busca e apreensão na empresa de Luís Cláudio Lula da Silva, FHC voltou a
dizer que considera Dilma “pessoalmente honrada”, mas fez uma ressalva em
relação a ela e lançou uma rede de suspeição em direção a Lula. Segundo ele,
Dilma tem “responsabilidade política” por tudo isso. E ele negou-se a defender
Lula: “Tenho de esperar para ver. Tem saído muita coisa que tem de ser passada
a limpo”.
A entrevista foi a propósito do primeiro volume de Diários
da Presidência, que reproduz o relato oral de Fernando Henrique sobre o seu dia
a dia nos dois primeiros anos de governo, 1995 e 1996. Na página 502, de março
de 1996, ele fala algo que continua extraordinariamente atual, quase vinte anos
depois. Algo que tanto Dilma quanto o ministro da Justiça, José Eduardo
Cardozo, poderiam repetir quando “acusados” de lavar as mãos diante da pressão
da PF sobre o filho (ou os filhos) de Lula.
Abordado pelos senadores aliados José Sarney, Gilberto
Miranda e Jader Barbalho, incomodados por multas aplicadas a suas empresas por
órgãos do governo, FHC dava de ombros: “Sei lá como foi...” E argumentava, como
cabe hoje a Dilma e a Cardozo fazer, em defesa própria junto a Lula e ao PT: “O
problema é que eles (parêntesis meus: os de ontem e os de hoje) não estão
entendendo que o Brasil mudou mesmo e que, ainda que eu quisesse abafar esses
casos, não conseguiria. E não quero. Não quero perseguir, mas também não quero
encobrir”.
Sem defesa para esse monte de empresas e de histórias de
seus filhos, Lula parte para o ataque. Não só contra a imprensa, também contra
Dilma e contra Cardozo, que “não controlam a PF”. Como se fosse simples. E como
se fosse certo.
Em entrevista ao Estado, depois de depor na PF sobre
eventuais relações com lobistas, o ex-ministro e fiel lulista Gilberto Carvalho
disse, em outras palavras, que “quem não deve não teme”: “Estou muito sereno.
Deixei o governo com o mesmo patrimônio que tinha quando entrei”. Será que Lula
está sereno? E será que seus filhos saíram do governo dele com o mesmo
patrimônio que tinham quando o pai entrou?
Quem vai à minha casa encontra logo na sala um livro
quadrado, com a foto de um garoto de olhar vivo, esperto. Trata-se de O menino
Lula, escrito pelo jornalista Audálio Dantas, um dos mais respeitados do País,
contando a história da criança pobre, nascida nos rincões do Nordeste, que
cruzou o País num pau de arara, comeu o pão que o diabo amassou e virou tudo o
que virou.
O livro está ali, à mão, para tentar um equilíbrio entre o
homem público e a pessoa, o presidente endeusado e o ex-presidente demonizado.
Talvez esteja em cada linha, em cada momento, em cada desgraça, uma explicação
para tudo o que Lula fez, permitiu fazer e induziu os filhos a fazerem no
usufruto do poder. Obviamente, explica, mas não justifica. Nada justifica que
Lula tenha cedido a todas as tentações e arriscado o próprio legado (da inclusão
social) pelo descaramento, megalomania, ambição. O menino Lula e o grande líder
sindical Lula não mereciam que o presidente Lula fizesse isso com eles.
Publicado no jornal O Estado de São Paulo em 28/10/2015
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