O verdadeiro terceiro turno
O ESTADO DE S.PAULO
03 Abril 2015
Governos democráticos são eleitos
para servir a sociedade e quando fracassam nessa missão entra em cena a opção
pela alternância no poder. É o caminho natural que a democracia oferece para os
cidadãos se livrarem de governantes nos quais perderam a confiança. Mas o que
acontece quando essa falta de confiança é dramaticamente exteriorizada
decorridos apenas três meses de um mandato com validade de quatro anos? É
exatamente diante dessa grave e delicada questão que a última pesquisa de
opinião pública CNI/Ibope coloca a consciência democrática do País.
Revela o Ibope que, evoluindo na
tendência verificada em pesquisas anteriores, a avaliação de ruim/péssimo do
governo Dilma subiu de 27% quatro meses atrás, em dezembro do ano passado, para
o índice recorde de 64%, enquanto a de ótimo/bom despencou, no mesmo período,
de 40% para 12%. Paralelamente, o índice de brasileiros que não confiam na
presidente da República saltou, ainda no mesmo período, de 44% para alarmantes
74%. Ou seja: três em cada quatro brasileiros não confiam em Dilma Rousseff.
As más notícias para Dilma e para o
PT não terminam aí. A desconfiança estendeu-se a setores da população até
recentemente satisfeitos com o governo. Por exemplo, a aprovação caiu de 53% para
18% entre os que estudaram até a quarta série do ensino fundamental e diminuiu
de 44% para 32% entre os que chegaram até a oitava série. O apoio ao governo no
Nordeste despencou de 63% para 34%. E entre os eleitores que votaram em Dilma
há menos de seis meses, a queda foi maior ainda: de 63% para 22%. Esse é o
verdadeiro "terceiro turno" que o lulopetismo em desespero denuncia
como golpe das elites.
Definitivamente, quando se coloca um
quadro em que apenas pouco mais de um em cada cinco brasileiros que deram seu
voto à candidata do PT em outubro continua confiando no governo - e isso
decorridos apenas três meses do início do segundo mandato -, cria-se uma
situação delicada e ameaçadora em que o Poder Executivo se deslegitima de fato,
mas permanece absolutamente legítimo de direito, pelo menos até que se decida
de modo diferente nas instâncias competentes, rigorosamente de acordo com a lei
e os procedimentos legais. É imprescindível que a consciência democrática do
País veja com muita clareza essa realidade institucional, porque essa é a
garantia de que os brasileiros não cederão, como alternativa à grave crise que
enfrentam, à tentação de aventuras antidemocráticas que configurariam um
retrocesso intolerável.
Uma pesquisa de opinião pública
reflete sempre e necessariamente um recorte temporal da realidade que
investiga. Mas o quadro ora exposto é extremamente preocupante, porque indica
claramente uma forte e continuada tendência de ampliação da distância que
separa governo de governados. Mas, se a superação dessa crise é um desafio a
ser enfrentado pelo conjunto da sociedade, cada um no seu papel e todos juntos
na defesa da democracia, é óbvio que ao governo cabe papel relevante, até
porque terá de lutar pela própria sobrevivência.
E, se o governo petista se encontra
na berlinda pelos erros que tem cometido, não faz sentido que continue
persistindo neles. Enquanto tinham a credibilidade refletida em altos índices
de popularidade de Dilma - assim como aconteceu com Lula -, os petistas podiam
deitar e rolar no populismo, esbaldar-se na autoexaltação e fazer as promessas
e previsões edulcoradas que lhe dessem na telha. Mas hoje o que há é um governo
desorientado, desacreditado e politicamente debilitado, que não consegue
esconder sua inépcia. Basta ver que o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio
Mercadante, reagiu à pesquisa não com a humildade que a situação requeria, mas
com a arrogante e destrambelhada afirmação de que se trata "apenas"
de uma foto ruim do momento: "Nosso compromisso é com quatro anos - e três
meses de governo é o início de um processo. A fotografia não é boa, mas o filme
vai ser muito bom".
Se o que se tem visto é apenas
"o início de um processo", imagine-se o que virá nos próximos 45
meses. Não é à toa que o único comentário otimista que se ouviu ontem sobre
este governo é o de que nesta pesquisa CNI/Ibope a imagem de Dilma está muito
melhor do que na próxima.
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