Vai ter Copa: e a vida continua
Sebastião Melo*
Em poucos dias Porto Alegre receberá milhares de turistas,
que visitarão a cidade para assistir aos jogos da Copa. A hospitalidade é um
tema tão importante, que foi tratado profundamente na filosofia, estando, para
Kant, à altura do imperativo categórico o seu principal conceito: 'Age como se
máxima de tua ação devesse tornar-se, por tua vontade, lei universal da
natureza'.
Se o filósofo alemão tivesse visitado o Rio Grande do Sul,
poderia ter incorporado um elemento da nossa cultura à sua reflexão, porque
seria recebido por nossa máxima, que é 'aceita um chimarrão, tchê',
justificativa para a roda de conversa, para a trova, que traduz os costumes, a
história do nosso povo e nossa hospitalidade.
Essa hospitalidade não estará interditada pelas dificuldades
internas do nosso país nem o evento foi ou será usado para ocultá-las, como o
foi em 1970, pela ditadura, com o 'pra frente Brasil'. Pessoalmente, vou torcer
para nossa seleção sagrar-se campeã, como milhões de brasileiros, para que
nossa economia seja beneficiada e Porto Alegre possa tornar-se um centro
turístico.
Mas a Copa não suspenderá a democracia. Há, sim, uma agenda
inconclusa em nosso país e ela é, sobretudo, política. Por essa razão, as
pessoas estão indo para as ruas e não podemos confundir os seus desejos e
pleitos com a violência provocada por pequenas seitas. Porque aquilo que a
maioria quer é mais democracia, e o direito de votar já não atende esta imensa
vontade de interferir nos assuntos públicos, de construir um poder
descentralizado que a livre deste sentimento de impotência frente a uma
realidade que pode ser modificada para melhor. Pois o pior dos mundos é o
governo da burocracia, no qual a responsabilidade é de ninguém.
Vai ter Copa, sim, receberemos com chimarrão nossos
visitantes e, paralelo a isso, nós, políticos e governantes, devemos cumprir
com nossa obrigação que, hoje mais do que nunca, é ouvir e dialogar com os
protestos, até consensuarmos formas de maior participação e poder de decisão da
população nos destinos do país, dos estados e das cidades.
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