Quem tem plano de saúde sabe das dificuldades para marcar consulta, conseguir exames e conseguir algo que o plano diz que não cobre. Não estou falando nem nos preços absurdos cobrados pelas operadoras. Pois agora, o líder do PMDB, Eduardo Cunha, aprovou um projeto de sua autoria que praticamente acaba com a fiscalização dessas empresas. O jornal Estado de São Paulo trata do assunto em editorial que transcrevo e peço que todos leiam.
Assim não dá!
Uma
medida aprovada pela Câmara dos Deputados altera tão profundamente o mecanismo
de multas aplicadas por infrações cometidas por planos de saúde que pode tornar
inócua a fiscalização dessas empresas. Como o comportamento dos planos não é
propriamente um primor - tanto que o governo vem tentando enquadrá-los em
normas mais rígidas para melhorar o seu desempenho -, é fácil de imaginar os
prejuízos que essa medida, se transformada em lei, pode acarretar para os mais
de 40 milhões de pessoas atendidas por eles.
Atualmente,
as empresas operadoras dos planos são multadas por cada infração cometida, como
é normal, variando as multas de R$ 5 mil a R$ 1 milhão, conforme a gravidade do
caso. Um exemplo é a punição por negativa de realização de procedimento médico
devido, como exame ou cirurgia, que chega a R$ 80 mil. Por 2 infrações o
pagamento é de R$ 160 mil; por 3, R$ 240 mil; e assim por diante.
Na prática,
com a mudança pretendida, a operadora que cometer de 2 a 50 infrações da mesma
natureza receberá punição equivalente a apenas 2 delas. De 51 a 100 infrações,
ela será multada como se tivesse cometido só 4. No primeiro caso, no exemplo
apontado acima, a punição seria hoje de R$ 4 milhões (50 vezes R$ 80 mil) e,
com a alteração feita pela Câmara, R$ 160 mil (R$ 80 mil vezes 2).
O autor dessa
proeza é ninguém menos do que o líder do PMDB, deputado Eduardo Cunha (RJ), um
dos parlamentares mais poderosos da Câmara, que inseriu a mudança na Medida
Provisória (MP) 627, que trata de assunto que nada, rigorosamente nada, tem a
ver com a saúde - a tributação de empresas no exterior. Infelizmente, esse
procedimento de "pegar carona" em MP, bem conhecido e corriqueiro no
Congresso, leva a tais absurdos.
A
justificativa de Cunha para a mudança revela quais são os interesses que ele
defende. Diz ele que o modelo atual de multas é exagerado, e explica: "Às
vezes são aplicadas 200 multas no mesmo evento. É um negócio absurdo. Não pode
ter 200 eventos iguais e 200 multas máximas. Não se pode fazer da multa um
fator que quebre a empresa". Ora, absurdo é uma empresa cometer 200
infrações e levar 200 multas. Para não quebrar, ela que trate de não errar
tanto, de respeitar a lei e de ter um mínimo de consideração com seus clientes.
Essa é a
regra do jogo que o deputado Cunha quer inverter com uma sem-cerimônia
desconcertante. Tão convicto, digamos assim, está ele da justeza de sua causa
que fez questão de lembrar que, de acordo com sua proposta original, a mudança
deveria ser permanente, o que não aconteceu porque o governo insistiu em que
vigorasse só até dezembro deste ano. Evitou-se o pior, mas, como entre nós o
provisório tende a se tornar permanente, isso não é lá grande coisa.
Se o governo
não se esforçou o suficiente, ou então - e não é a primeira vez que isso
acontece - não conseguiu dobrar, pelo menos não totalmente, o líder na Câmara
do seu mais importante partido aliado, seria conveniente que se preparasse para
ganhar a batalha no Senado. Ou em último caso apelar para o veto, porque essa
mudança, além de ser vergonhosa, contraria frontalmente as medidas que têm sido
tomadas para tornar mais rígida a fiscalização dos planos de saúde.
Uma das mais
importantes foi a resolução baixada em 2011 pela Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS), fixando para os planos prazos máximos para a marcação de
consultas, cirurgias e exames. Embora seu alcance seja limitado pela capacidade
da rede de atendimento disponível, que fica aquém das necessidades, essa
providência tem sua utilidade. É com base nela e em queixas relativas a outros
itens, como a negativa de cobertura, que a ANS tem intensificado a punição aos
planos faltosos.
A despudorada
medida patrocinada por Cunha e aprovada pela Câmara, se virar lei, tirará do
governo o principal instrumento para melhorar a qualidade da saúde privada,
pela qual - fugindo da precariedade da rede pública - milhões de brasileiros
pagam caro.
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