segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Artigo

Oportunismo na hora mais difícil

André Machado*

Eles já viveram seis, sete, oito décadas. Cresceram num mundo diferente, menos consumista, bem anterior à internet. Pais, avós, bisavós. São mais de 23 milhões de brasileiros que, somados, escreveram, nos seus cotidianos, a maior parte da história nacional contemporânea. E, no momento em que mais precisariam de atenção, são muitas vezes vítimas da ganância, do desamor e do inescrupuloso oportunismo dos próprios familiares.
Reportagem investigativa publicada ontem (16/02) no jornal O Globo aponta o crescimento assustador das ações de interdição que tramitam nas Varas de Família do Poder Judiciário em todo o país. A medida é prevista em lei como uma forma de proteção ao idoso, quando este chega a uma fase em que se torna incapaz de discernir, de decidir sobre os próprios direitos e deveres. Ou seja, de cuidar da própria vida. Deveria ser assim. Mas a realidade, muito triste, é outra.
Na maioria dos casos, as reais motivações têm a ver com dinheiro e patrimônio dos idosos. São filhos e netos tentando impedir novos relacionamentos afetivos dos pais ou avós, de olho no acesso aos empréstimos obtidos de forma nada transparente, ao gerenciamento de pensões, cartões de débito e até numa macabra espécie de antecipação de herança enquanto os velhinhos estão pra lá de vivos, firmes e fortes.
Os malandros consultam ONGS, peticionam na Justiça como se estivessem preocupados, tudo sem o menor constrangimento. A reportagem fala em uma elite mais visada, a dos funcionários públicos que chegaram à velhice com altas aposentadorias. E, embora decisões recentes mostrem que a Justiça tenta avaliar cada caso com rigor, as bem sucedidas aumentam num ritmo aterrador. Há 14 anos no Senado, por exemplo, um servidor aposentado era interditado a cada ano. Hoje, a média é de um a cada 52 dias.
Que tal se olhássemos mais de perto para este problema? Se você é militante, converse com a direção do seu partido político e veja o que há de políticas públicas para os idosos entre as pautas em debate e os programas de governo. Pesquise no site da prefeitura da sua cidade e saiba se o município está fazendo a sua parte. Contate seu vereador, seu deputado, e peça informações.
Mas, mais do que tudo isso, faça a sua parte. Como cidadão, como familiar, como ser humano. Trate os idosos do seu círculo de convívio com carinho, respeito, prestando-lhes a assistência de que necessitam. Se você não tem idosos na família, pense nos vizinhos, nos conhecidos. Há dois momentos na vida em que todos nós, invariavelmente, precisamos de atenção especial. Já passamos por um, a infância. E, com sorte, logo chegaremos à segunda parte. Como você gostaria de ser tratado, quando a hora chegar?
Uma ótima semana.
Aproveite o dia!
*Jornalista

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