As lamúrias
de Haddad
O Estado de São Paulo*
Que um governante se mostre triste por não poder fazer tudo o que queria
para melhorar as condições de vida da população que o elegeu, é coisa louvável.
Mas não é bem esse o caso das lamúrias do governo de Fernando Haddad, que não
para de se queixar da falta de recursos que vai enfrentar em 2014 e talvez até
mesmo no restante de seu mandato, ao mesmo tempo que procura desculpas nada
convincentes para a incapacidade de cumprir promessas de campanha feitas para
agradar à plateia, sem pensar nos dados da realidade.
O aumento frustrado do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o
adiamento, sabe-se lá para quando, da renegociação da dívida da Prefeitura com
o governo federal são apontados como os principais culpados pelas agruras da
atual administração municipal. Sem os R$ 800 milhões que esperava receber a
mais com o reajuste do IPTU, por exemplo, barrado pela Justiça, a Prefeitura
alega que não terá recursos para oferecer a contrapartida necessária para
receber alguns bilhões prometidos pelo governo federal.
A presidente Dilma Rousseff se comprometeu a repassar ao governo Haddad
R$ 5,7 bilhões para investimentos na capital. A contrapartida da Prefeitura
deve ser de R$ 1,5 bilhão. Segundo o secretário municipal de Finanças, Marcos
Cruz, em declarações ao jornal Valor, uma parte desse total - R$ 700 milhões -
deve resultar de medidas que estão sendo adotadas pela Prefeitura. Os restantes
R$ 800 milhões viriam da arrecadação extra esperada do IPTU. O culpado pelo
fracasso do esquema seria a Justiça.
"O Judiciário", diz Cruz, "está acabando com o imposto
sobre propriedade. As prefeituras vão ficar com medo de fazer uma coisa
legítima que é (reajustar) o imposto sobre propriedade pela Planta Genérica de
Valores (PGV)." Para ele, a impossibilidade de reajustar o IPTU aumenta a
regressividade do sistema tributário e afeta a autonomia dos municípios. Essa é
uma interpretação grosseira e irresponsável dos fatos, que não corresponde à
verdade e por isso não fica bem para uma autoridade.
Em primeiro lugar, a decisão da Justiça - por meio de liminar - nem é
definitiva, podendo, em princípio, vir a ser favorável à Prefeitura, quando do
julgamento do mérito. E, mesmo se a liminar for mantida, isto não representará
o que afirma Cruz. Continuará sendo possível, sim, reajustar o IPTU pela
revisão da PGV, só que não da forma feita pela Prefeitura paulistana. O erro de
Haddad foi a ganância, o exagero, o aumento claramente além do razoável. Foi
pensar que podia usar o IPTU para, sem mais nem menos, conseguir os R$ 800
milhões que queria. Se fosse mais contido, não perderia tudo.
Quanto à renegociação da dívida - que prefeitos das orientações as mais
diversas também tentaram -, o erro de Haddad foi o mesmo cometido pela
ex-prefeita Marta Suplicy. Ela apostou na eleição de Luiz Inácio Lula da Silva
para a Presidência da República e na ajuda que ele lhe poderia dar para
renegociar a dívida. Este foi o principal elemento - apesar de sua insistência
na tese de que não tinha recursos para isso - que a levou a não fazer a
amortização de R$ 3 bilhões, em novembro de 2002, conforme exigia o acordo.
O resultado desastroso dessa decisão foi que os juros da dívida subiram
de 6% mais o IGP-DI para 9% mais o IGP-DI. A nova taxa incidiu retroativamente
e levou a um crescimento de R$ 17 bilhões da dívida desde 2000, quando ocorreu
a negociação, até o primeiro trimestre de 2012, segundo cálculos da Secretaria
Municipal de Finanças. E a esperada renegociação não saiu.
Haddad também apostou que a presidente Dilma Rousseff patrocinaria a
renegociação, em termos que resultariam em alívio de R$ 24 bilhões na dívida.
Mas outras considerações relativas à sua preocupação com o equilíbrio fiscal a
levaram a adiar a questão.
Em resumo, Haddad contou temerariamente com dinheiro incerto - do IPTU e
da dívida - para prometer o que não podia e agora quer achar culpados por
cortes nos programas irrealistas que traçou. Ele não está sem dinheiro. Tem
basicamente o mesmo que tiveram seus antecessores e tem que se esforçar, como
eles, para vencer as dificuldades.
*Editorial da edição do dia 9.01.2014
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