Cadê o Lula?
Eliane Cantanhêde*
Acossados pela pressão popular, Executivo, Legislativo e
Judiciário sacodem e despertam num estalar de dedos, ou em votações simbólicas,
uma lista quilométrica de reivindicações adormecidas. Além do tomate, há um
outro grande ausente: o ex-presidente Lula.
O Brasil está de pernas para o ar e os Poderes
estão atônitos diante da maior manifestação em décadas, mas o personagem mais
popular do país, famoso no mundo inteiro, praticamente não disse nada até
ontem.
Confirma assim uma sábia ironia do senador e
ex-petista Cristovam Buarque: "Tudo o que é bom foi Lula quem fez; o que
dá errado a culpa é dos outros". Hoje, a "outra" é Dilma
Rousseff, herdeira do que houve de bom e de ruim na era Lula.
Na estreia de Haddad, Lula roubou a cena e a
foto, refestelado no centro da mesa, dando ordens e assumindo a vitória como
sua. Nos melhores momentos de Dilma, lá está Lula exibindo a própria
genialidade até na escolha da sucessora. E agora?
Haddad foi obrigado a engolir o recuo das
passagens, Dilma se atrapalha, errática, sem rumo. Nessas horas, cadê o
padrinho? O que ele tem a dizer ao mais de 1 milhão de pessoas que estão nas
ruas e, especialmente, aos 80% que o veneram no país?
Goste-se ou não de FHC, concorde-se ou não com
o que diz, ele se expõe, analisa, dá sua cota de responsabilidade para o
debate. Dá a cara a tapa, digamos assim. Já Lula, como no mensalão, não sabe,
não viu.
Desde o estouro das primeiras pipocas,
afundou-se no sofá e dali não saiu mais, nem para ouvir a voz rouca das ruas.
Recolheu-se, preservou-se, deixou o pau quebrar sem se envolver. As festas pelo
aniversário do PT e pelos dez anos do partido no poder? Não se fala mais nisso.
Como marido e mulher, companheiros e
partidários prometem lealdade "na alegria e na tristeza". Mas isso
soa meio antiquado e Lula é pós-moderno. Deve estar se preparando para quando o
Carnaval chegar.
*Jornalista, colunista da Folha de São Paulo
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