O Jornal Estado de São Paulo – Estadão – em sua edição online publica
reportagem da jornalista Juliana Sayuri, que ouviu o cientista político José Álvaro
Moisés sobre o momento atual vivido pelos brasileiros. Para o cientista
político, “a corrupção extrapolou os níveis normais no Brasil, o que fragiliza
sensivelmente a democracia”.
A seguir, reprodução do material publicado no Estadão online neste
sábado.
Fora do império da lei
Mecanismos centrais da democracia
estão sendo ignorados por atores que desejam manter seu poder além de qualquer
limite constitucional, afetando até a legitimidade democrática - Juliana Sayuri
Extrapolou. Na análise do cientista político José
Álvaro Moisés, a corrupção extrapolou os "níveis normais" no Brasil,
o que fragiliza sensivelmente a democracia. "Os acontecimentos recentes
mostram distorções e focos de corrupção que põem a ‘qualidade’ da democracia em
xeque", critica o diretor do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da
Universidade de São Paulo (USP) e autor de Democracia e Confiança - Por Que os
Cidadãos Desconfiam das Instituições Públicas? (Edusp, 2010). A seguir, os
pontos nevrálgicos abordados pelo intelectual.
Crise das instituições
democráticas
"As tensões entre Judiciário, Legislativo e
Executivo, inclusive as crises interna corporis desses poderes, apontam para
déficits importantes no funcionamento das instituições democráticas. Isso
explica, em parte, os índices elevados de desconfiança dos cidadãos. Mecanismos
centrais da democracia estão sendo bypassed (ignorados, contornados) por atores
que querem manter seu poder fora de qualquer limite constitucional. Esse abuso
de poder afeta a legitimidade democrática. Lamentável, nesse sentido, são os episódios
envolvendo um ex-presidente em suposta tentativa de influenciar o STF no
julgamento do mensalão ou a suposta inação do procurador-geral da República
diante de denúncia da Polícia Federal envolvendo o senador Demóstenes Torres. O
desgaste das instituições é evidente e mostra que estamos longe de ter
estabelecido o império da lei.
Papel da oposição
"A dinâmica entre situação e oposição está
funcionando mal. A ideia de que o interesse público move essa contraposição
desapareceu - e a quase totalidade de partidos e suas lideranças está mais
preocupada em se salvar do mar de lama das denúncias do que em oferecer
alternativas para a sociedade. Quase podemos dizer que a oposição desapareceu
no Brasil, descontada a ação parlamentar cujo limite é o tamanho de suas
bancadas no Congresso Nacional. Os partidos de oposição estão de costas para a
sociedade civil e raramente dialogam com as pessoas comuns. O cenário é
paradoxal.
Os partidos e a governabilidade
"Parte dos analistas políticos pensa que os
partidos são uma garantia de governabilidade, pois votam quase tudo o que os
governos querem. Mas na democracia a governabilidade não diz respeito apenas ao
que quer o Executivo. O Parlamento, como representação da diversidade social e
política da sociedade, tem papel decisivo. Em anos recentes, porém, os partidos
se orientaram apenas para a conquista ou manutenção do poder, atraídos pelos
incentivos institucionais do presidencialismo de coalizão. Quase todos os
partidos migraram para o centro, tornando indistinguível a diferença entre
eles, o que deixa os eleitores sem referência para orientar o voto e minimizar
os custos informacionais da participação democrática. As pessoas pouco sabem
sobre o que está em jogo nas disputas políticas.
Impacto da corrupção
"Os indícios de corrupção mostram que o
fenômeno extrapolou o que se supunha serem seus ‘níveis normais’. Tudo indica
que a corrupção está em todos os partidos, atinge todas as esferas da
administração e, como mostraram as escutas telefônicas, os contraventores já penetraram
nas estruturas do sistema político de modo a garantir acesso a recursos
públicos. É raro encontrar entre as lideranças políticas quem expresse
preocupação com a deslegitimação política. Por isso, a faxina iniciada pela
presidente Dilma Rousseff melhorou seus índices de popularidade, mas o País
ainda não sabe se a demissão de tantos ministros vai melhorar o controle da
corrupção.
Democracia em risco
"Nada sugere que a democracia esteja em risco
no Brasil. O que está em questão é sua qualidade. Os déficits das instituições
democráticas, como as distorções que afetam a competição eleitoral sob efeito
do ‘caixa dois’ e da influência de empresas no financiamento de campanhas,
produzem questionamentos sobre os resultados da democracia. A estabilidade econômica
e o controle da inflação permitiram a geração de empregos e o aumento do poder
aquisitivo de algumas camadas sociais, mas isso não se confunde com
desconcentração de renda e riqueza. Os desafios sobre as diferentes dimensões
das desigualdades permanecem. E não sabemos em que direção o País caminha
diante da crise internacional. Assim, ganha importância saber que meios a
democracia oferece - partidos, Parlamentos, Judiciário? - para que a sociedade
possa influenciar a agenda de enfrentamento dessas questões. Afinal, uma das
principais promessas da democracia diz respeito à participação dos cidadãos nas
decisões que afetam suas vidas."
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