No final de setembro, recebi um telefonema de um amigo e marcamos um encontro na Diretoria de Direitos Humanos, onde trabalho.
Meu amigo, Carlos Redel, quando eu conheci, era estagiário da Comunicação da Prefeitura. Era meu colega no setor de rádio e foi uma amizade que nasceu, cresceu e se tornou grande. Hoje, jornalista dos melhores, o Redel trabalha no coletiva.net e me ligou para saber se eu aceitava ser entrevistado por ele.Claro que aceitei.
Só não sabia que o Carlos Redel, depois de uma longa conversa e muitas risadas, faria um texto tão brilhante e que me deixaria tão orgulhoso de ser jornalista, de ter vivido o que vivi, e de ter sido entrevistado por ele.
Obrigado jornalista Carlos Redel.
Machado Filho
João
Carlos Machado Filho:
Sem
tempo para ficar velho
Jornalista há 60 anos,
Machadinho esbanja simpatia e histórias interessantes sobre a sua trajetória
É praticamente impossível não
simpatizar com João Carlos Machado Filho. Em poucos minutos de conversa, o nome
do jornalista se transforma em Machadinho e a sensação é a de que ele é um
amigo de muito tempo. O próprio reconhece que sua principal qualidade é a
simpatia - e não há como discordar. Ele é, realmente, gente boa.
Animado e
comunicativo, conta que, em função da televisão - apresenta o programa
Consumidor em Pauta, na TVE -, muitas
pessoas o param na rua para conversar. "Quando acontece, eu faço questão
de dar uma atenção especial. Gosto de falar com todo mundo, atender bem às
pessoas", explica.
No entanto, no que diz
respeito a datas, Machadinho não pode ser referência. Apesar de lembrar de toda
sua trajetória, com riqueza de detalhes, não consegue colocar em ordem
cronológica os empregos. Mas é justificável, pois não foram poucos: Rádio São
Gabriel, Rádio e TV Gaúcha, Farroupilha, Assembleia Legislativa, Prefeitura de
Porto Alegre, TVE, Rádio e TV Difusora, Jornal do Comércio, Zero Hora, Diário
de Notícias... E por aí vai.
Cabeça sempre funcionando
Aos 78 anos, além de comandar
a atração na TV Educativa, o jornalista trabalha na prefeitura de Porto Alegre,
mais especificamente na Diretoria de Direitos Humanos. Sim, ele tem dois
empregos. Na TVE, contudo, conta com um contrato de voluntariado, tamanho é o
prazer que sente de estar em frente às câmeras - aliás, o programa é ao vivo e
diário, vale ressaltar:
"Não ganho nada, mas
tenho a alegria de fazer algo que é de utilidade pública". O amor que
sente pela profissão é um dos motivos para que siga na ativa. E não consegue se
imaginar em outra atividade: "É só Jornalismo. Gosto tanto de ser
jornalista, do público, que nunca me passou outra coisa pela cabeça".
Machadinho até se aproximou
de outro caminho, quando passou em um concurso da Viação Férrea, em segundo
lugar. Entretanto, deu-se conta que aquela não era a sua vocação, mesmo tendo a
possibilidade de ganhar um bom salário e ter uma vida mais tranquila. "Não
era eu. Ser jornalista é algo que está no sangue do cara", enfatiza.
São Gabriel, 1941
Nascido em São Gabriel, em 17
de junho de 1941, Machadinho é filho de João Carlos Machado, militar, e Célia
Valls Machado, que decidiu ficar em casa para cuidar dos filhos - no total,
foram nove. O patriarca da família começou no Exército como soldado e, quando
morreu, era coronel. "Ele batalhava muito, acordando muito cedo para ir
trabalhar. Então, talvez por isso, eu batalho até hoje, aprendi assim",
explica.
Um fato curioso sobre os
irmãos é que o seu pai decidiu colocar os nomes de todos começando com 'Di': Dilma,
Dilmar, Dilmair, Dilamar, Diúma e Dielma, que faleceu com um ano - na época,
dona Célia estava grávida de Machadinho. Assim, por acharem que seria o último,
decidiram colocar o nome do pai, João Carlos Machado, com o Filho no final.
"Mas a minha mãe engravidou de novo, porque naquela época não tinha
televisão e nem cinema, aí tinha que aproveitar de outras maneiras",
conta, aos risos. Assim, nasceu Dilair. Mais tarde, dona Célia ficou grávida
novamente - agora, sim, pela última vez. A filha, então, chamou-se Célia Maria,
em homenagem à mãe e, ao lado de Machadinho, conseguiu fugir do Di.
Relatando ter tido uma
infância feliz, lembra-se que o pai precisava viajar muito e, por isso, vivia
se mudando. Nessas andanças pelo interior do Estado, Rosário do Sul foi a
cidade que mais o marcou. Recorda-se com carinho que o trem passava na frente
de casa e o maquinista da Maria Fumaça jogava rachas de lenha para ele e seus
irmãos, que as recolhiam e as levavam para fazer fogo. Ainda nesta época,
lembra-se que a mãe criava galinhas. De noite, ela pegava latinhas de
marmelada, enchia de água e deixava para os bichos. Quando a família acordava
de manhã, no inverno, aquela água estava congelada: "Era duro de gelo,
pois fazia muito frio lá. Foi um negócio que me marcou muito".
Já em Porto Alegre, entrando
na adolescência, começou a cursar o ginásio no antigo Nossa Senhora da Assunção
que, agora, é Marista. Quando se formou, saiu da escola tendo sido presidente
do Grêmio Estudantil e da comissão de formatura, orador da turma e, como se não
bastasse, ainda desenhou a placa de bronze que ia na parede com os nomes dos
formandos. "Sempre fui um cara comunicativo e que gostava de falar com as
pessoas, de me relacionar bem. Então, acho que isso me levou a ser uma referência
naquela época", avalia.
Jornalista no Dia
do Trabalhador
Aos 18 anos, retornando para
a sua cidade natal, teve o primeiro contato com a Comunicação: foi até a Rádio
São Gabriel, a ZYO-2, para participar do programa 'Um tango, um bolero e uma
poesia para você', onde leu um soneto escrito por seu irmão Dilamar. Após,
ouviu do radialista: "Fica por aí". Então, quando acabou a atração,
recebeu o convite que iria mudar tudo: "Tu não queres ser locutor da
rádio?". Isso foi no final dos anos 1950. E Machadinho aceitou, é claro.
"Agora, em maio de 2020, eu completo 60 anos de jornalismo", fala,
orgulhoso. Porém, não deixa de citar algo curioso de sua contratação:
"Minha carteira foi assinada em 1º de maio, no feriado. Não dá para
entender como isso aconteceu, mas acho engraçado".
Jornalista provisionado,
destaca que aprendeu tudo o que sabe na prática e, também, com as orientações
de seu irmão mais velho, Dilamar, radialista, político e sua maior referência.
Inclusive, no Diário de Notícias, o aprendiz substituía o professor: a coluna
Vozes da Cidade, que levava a assinatura de Dilamar, na verdade, era escrita
por Machadinho, pois o irmão mais velho não tinha tempo para se dedicar ao
espaço no jornal.
Naquela época, não imaginava
o tanto de experiência que teria na Comunicação - com passagem por boa parte
dos veículos da Capital - e muito menos que receberia uma homenagem na frente
de alguns dos maiores nomes do Jornalismo do Estado. Quando estava completando
50 anos de profissão, foi chamado ao palco do Prêmio Press e ganhou um quadro,
recebendo o carinho de todos os convidados. "Foi muito emocionante",
conta.
De olho no lance
Boa parte da trajetória de
Machadinho no Jornalismo se deu nos campos de futebol - esporte do qual é fã -
e não faltam histórias da época em que era repórter. Colorado, um dos momentos
mais marcantes de suas jornadas aconteceu justamente na inauguração do
Beira-Rio, em 1969. Trabalhando pela TV Gaúcha, estava à beira do campo quando
Claudiomiro, que fez o gol inaugural do estádio, lhe deu a camisa que usou na
primeira etapa da partida histórica. Era a camiseta do primeiro gol no
Beira-Rio. "Eu sempre ajudava o Claudiomiro nas matérias, dando força e
refazendo as passagens sempre que era preciso, pois ele tinha muita dificuldade
para falar", explica, justificando o presente. No entanto, a alegria não
durou muito.
Indo para as cabines de
imprensa, nas escadas, encontrou-se com Maurício Sirotsky Sobrinho, nada menos
que o dono da RBS na época. Após elogiar o trabalho do jornalista, questionou:
"E essa camisa aí?". Machadinho, inocente, mostrou, todo orgulhoso o
presente. O chefe, então, disse: "Muito legal essa camisa. Vamos sortear
no programa de fim de ano da TV Gaúcha". Pegou o item e levou. "Foi
um azar encontrar com ele naquele momento", lamenta, relembrando dos
poucos minutos que foi dono da peça.
Com 60 anos de
Jornalismo, acompanhou de perto alguns grandes nomes da Comunicação gaúcha
surgirem. Em uma de suas passagens pela Farroupilha, por exemplo, na época em
que Marne Barcelos era diretor da rádio, chegou na emissora um rapaz que queria
ser locutor esportivo. Na época, a dupla pensou, fazendo pouco caso: "Pelo
menos, vamos nos divertir um pouco vendo esse teste". Entrou pela porta o
candidato que Machadinho descreve como baixinho e gordinho. O pretendente à
vaga, então, narrou um gol do Grêmio e um do Inter. Surpreendeu aos dois. O
nome do jovem? Pedro Ernesto Denardin, que acabou entrando para o time da emissora.
Mas nem só de futebol foi
construída a carreira do profissional. Também teve música. Estava trabalhando
na Rádio Difusora no ano em que foi transmitido o primeiro Carnaval a cores do
Estado pela televisão do mesmo grupo midiático. Francisco Carlos, que era
diretor da emissora na época, o chamou para quebrar um galho para o
jornalístico Câmera 10. A sua missão? Colocar uma roupa colorida e entrar ao
vivo no programa para falar da festa. Mesmo contrariado, e inexperiente na televisão,
foi para a Avenida João Pessoa, onde acontecia o desfile, na época. Munido de
toda a informação que conseguiu obter sobre o Carnaval, falou por um minuto
para a câmera. Recebeu vários elogios, além de fazer parte de uma transmissão
histórica. E deu tão certo, que seguiu cobrindo a festa, atuando tanto na rádio
quanto na TV Difusora - hoje, Grupo Bandeirantes.
Família, praia e
uma cervejinha
Casado pela segunda vez,
Machadinho está com Ana Helena há 27 anos. Do relacionamento, nasceu Gabriela.
Com 19, a filha estuda Relações Internacionais. Da primeira união, teve
Marcelo, que é cineasta, tem 52 anos e vive em São Paulo; e João Carlos Neto,
de 35, profissional de TI e residente de São Leopoldo. E a dupla de
primogênitos já teve os seus respectivos filhos: Pedro, de 25, e Lívia, de
sete. Completando a família, tem o gato Alpha - "é com PH", enfatiza
-, protagonista de várias fotos publicadas nas redes sociais de Machadinho.
A sua história com Ana
começou de maneira curiosa: ele estava apresentando um show no Leopoldina
Juvenil e, após o término, foi colocada uma música. Com o carro estragado,
ficou pensando se chamava um táxi para ir embora. Ela, então, tomou a
iniciativa e foi falar com ele: "Por que tu estás tão sozinho?". Após
responder que estava pensando, foi convidado para ir dançar. "Azar é o
dela de querer dançar comigo", pensou na hora. Foram para a pista e estão
juntos até hoje.
Envolvido com os dois
trabalhos de segunda a sexta-feira, um de seus programas de folga favoritos é
ir para a casa na praia, em Tramandaí Sul. E adora mexer com os amigos sobre os
privilégios do seu refúgio no Litoral: mora a uma quadra da praia e a sua
churrasqueira tem vista para o mar. Quando está no segundo lar, gosta de
esvaziar a mente do barulho de Porto Alegre e relaxar.
Fã de Gabriel
García Marquez, Machadinho é apaixonado por ler e, também, por colecionar
canecas. E ele tem mais de 80 peças, de várias partes do mundo, seja de suas
viagens ou das dos outros: "Quando o André [Machado, seu sobrinho] foi para a China, já pedi: me traz uma caneca de
lá", disse. Em Porto Alegre, não abre mão de sair para tomar uma
cervejinha e comer um bauru com Ana, sua "parceira", como denomina.
Pouco exigente e
feliz
"A minha história é
legal, porque nunca fui de exigir muito das coisas", admite. Hoje
aposentado do INSS, revela que não é rico, mas que vive bem. Um dos principais
motivos de alegria é a família, a que se refere como sendo maravilhosa.
Diverte-se ao dizer que, hoje em dia, adora 'deseducar' os netos e curtir os
pequenos prazeres da vida, como uma bela caminhada na beira da praia ou ir a um
bar com a esposa.
O seu prato favorito também é
simples: galinha com ervilha. Inclusive, quando prepara a iguaria, dá um jeito
de comer bastante. Da última vez que fez, por exemplo, pediu a vianda da filha
Gabriela emprestada para poder levar a comida para o trabalho. E sua rotina
começa ao nascer do sol, por volta das 6h, quando acorda para fazer o café e
começar a preparar o dia. Contudo, essa mania de despertar cedo, às vezes,
irrita Ana, pois nem nos finais de semana consegue ficar até tarde na cama:
"A gente vai ficando velho e vai perdendo o sono. Acho que é porque dormimos
muito durante a vida".
Até o final do ano, pretende parar de trabalhar.
Pelo menos, pela metade. Quer deixar a prefeitura e se dedicar apenas ao seu
programa na TVE - inclusive, não ter feito mais televisão é um dos poucos
arrependimentos da vida, juntamente com o fato de não ter viajado mais. Mas,
para 2020, Machadinho deseja apenas uma vida mais sossegada, sem o compromisso
de acordar todos os dias de manhã para ir ao serviço. Sobre se planejar, diz
que, com a idade, vai ficando mais difícil de fazer esse exercício: "A
gente nunca sabe quanto tempo ainda vai ficar por aqui. Não quero ficar por
muito mais tempo, não, mais uns 78 anos, para mim, está ótimo", brinca
ele.
Autor:
CARLOS REDEL