O presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, nem se deu ao trabalho de
disfarçar a barganha: o Tribunal só pautaria o julgamento do auxílio-moradia
para juízes – questão que se arrasta há quatro anos na Corte – depois de
garantir o aumento salarial.
O aumento foi garantido
nesta quarta-feira (7), com a aprovação pelo Senado do reajuste de 16,38% aos
ministros do Supremo, que havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados ainda
em 2016. O presidente Michel Temer pode vetar a lei? Até pode, mas pelo jeito
esse risco não existe. Foi tudo muito bem negociado nos últimos meses.
Ficamos, então, no aguardo
do julgamento do auxílio-moradia. Toffoli ficou de conversar com o colega de
Supremo Luiz Fux, “dono” do caso desde 2014, para encaminhar a questão.
É preciso deixar claro que
o julgamento não vai, necessariamente, acabar com o auxílio-moradia. Os 11
ministros podem decidir por mantê-lo. Ou encontrar um meio-termo.
É preciso deixar claro,
também, que a decisão que o Congresso tomou nesta quarta não representa apenas
um aumento aos ministros da Corte. O vencimento deles – antes de R$ 33.763,
agora de R$ 39.293 – serve de teto para todo o funcionalismo. Assim, milhares
de juízes, promotores e servidores Brasil afora terão seus salários elevados na
sequência.
O custo anual desse
aumento para o contribuinte brasileiro, segundo estimativa das consultorias de
Orçamento do Congresso, será próximo de R$ 4 bilhões, dos quais R$ 1,4 bilhão
na esfera federal, que fecha as contas no vermelho desde 2014. Serão R$ 717
milhões no Judiciário, R$ 258 milhões no Ministério Público da União e R$ 400
milhões no Executivo, onde gente que tinha o salário reduzido pelo chamado
“abate-teto” deixa de ser afetado por essa trava.
Os governos regionais,
muitos em situação bem mais delicada que a União – até porque não podem emitir
títulos de dívida nem imprimir dinheiro –, terão de suportar um gasto extra
estimado em R$ 2,6 bilhões por ano.
Justiça seja feita ao
presidente do Supremo. Pode-se concordar ou não com a moeda de troca, mas ele
ao menos foi transparente. Já em setembro, logo que assumiu o cargo, ele avisou
que pautaria o julgamento sobre o auxílio-moradia assim que a “revisão”
salarial fosse aprovada. Articulou à luz do dia nos últimos meses. Nesta
quarta, repetiu a promessa. Foi até citado em plenário pelo relator do projeto
do reajuste, senador Fernando Bezerra (MDB-PE), segundo o qual Toffoli se
comprometeu a acabar com o auxílio.
Terminada a votação, o
presidente do STF fez um agradecimento público ao Congresso, em nome de todo o
Poder Judiciário, “principalmente porque agora poderemos enfrentar o problema
do auxílio-moradia”.
Ao chamar o
auxílio-moradia de problema, aparentemente ele concorda com a opinião de
qualquer pessoa sensata: não faz sentido que juízes muito bem remunerados
recebam tal benefício indiscriminadamente, mesmo que morem e eventualmente
tenham vários imóveis na cidade onde trabalham.
Ainda mais um auxílio de
R$ 4,3 mil, quase o dobro do rendimento médio dos brasileiros (R$ 2,2 mil,
segundo o IBGE) e mais de quatro vezes o salário mínimo (R$ 954). Cálculos do
jornalista Lúcio Vaz, feitos com base em dados do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), indicam que o gasto com a benesse – que não é sujeita ao teto do
funcionalismo – para cerca de 17 mil magistrados chega a R$ 920 milhões por
ano.
E por que esperar o
reajuste para então enfrentar um problema desse tamanho? Porque, para muitos
magistrados, o pagamento do auxílio servia para compensar a defasagem salarial
após alguns anos sem aumento de salário. Até Sergio Moro, futuro ministro da
Justiça, já disse isso com todas as letras.
Não é sempre que se vê os
homens da lei justificarem um erro com outro. Pelo menos não assim,
abertamente.
Justiça seja feita, de
novo, a Toffoli, e também a Moro: não foram eles que começaram. O pedido para a
concessão indiscriminada de auxílio veio de associações que representam a
corporação. Lá em 2014, ao receber as demandas, o ministro Fux liberou primeiro
o pagamento aos juízes federais, e depois a membros da Justiça do Trabalho, da
Justiça Militar e para magistrados de nove estados, independentemente de
regulação do CNJ. Os demais estados já pagavam o benefício. Fux alegou que o
auxílio era previsto pela Lei Orgânica da Magistratura, a Loman.
(Mera curiosidade:
desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro desde 2016, Marianna
Fux, filha do ministro do Supremo, recebe o auxílio-moradia mesmo sendo dona de
dois apartamentos no Leblon, onde o metro quadrado custa R$ 21 mil.)
As decisões de Fux são
liminares e ainda precisam ser submetidas ao Plenário do Supremo. Ele chegou a
liberá-las para tal mas, em março deste ano, retirou-as da pauta a pedido da
Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que solicitou uma mesa de
conciliação com a Advocacia-Geral da União (AGU) para discutir o benefício.
Como o diálogo durou três
meses e não chegou a lugar algum, cabe a Fux, novamente, encaminhar a questão
ao colegiado. O contribuinte aguarda com ansiedade.
Fernando Jasper
Jornalista da editoria República da Gazeta do Povo