Um voto de confiança na
política
Em meio à acirrada disputa
entre os candidatos à Presidência da República, a campanha eleitoral para o
Congresso despertou escasso interesse, embora seja, em alguns aspectos, até mais
importante do que a eleição majoritária.
A escolha dos
representantes na Câmara e no Senado vai definir que tipo de composição
política o próximo presidente terá de fazer para conseguir manter um mínimo de
governabilidade e para encaminhar as medidas que são imprescindíveis para
garantir alguma estabilidade ante o terrível estado geral das contas públicas.
Ao elaborar sua “cola” para não esquecer os números de seus candidatos ao
digitar o voto, o eleitor terá a derradeira oportunidade de imaginar qual é o
Congresso que pretende ajudar a construir com seu voto amanhã.
Em primeiro lugar, o norte
para essa escolha não pode ser apenas a repulsa à corrupção. É fato que, nos
últimos anos, houve tantos e tão extensos escândalos envolvendo partidos e
parlamentares, numa roubalheira sem paralelos na história nacional, que não se
pode tirar a razão de quem pretende empregar seu voto como protesto, na
expectativa de ajudar a sanear a política. Essa intenção é consequência, em
grande medida, do discurso embalado pelo ativismo messiânico de muitos
procuradores da Lava Jato, que se julgavam no dever de limpar o País de seus
corruptos e fizeram da corrupção sinônimo de política, mesmo que contra os
acusados pesassem apenas suspeitas levantadas pela irresponsável qualificação
de toda doação de campanha como propina.
A despeito dessa óbvia
fragilidade jurídica, a Lava Jato proporcionou aos brasileiros a sensação de
que finalmente algo estava sendo feito contra os corruptos, e não à toa muitos
candidatos se apresentam como “limpos” - como se isso fosse, por si só,
suficiente para qualificá-los como bons parlamentares - e como novos na
atividade, buscando incorporar o suposto desejo do eleitorado de implodir um
sistema visto como miseravelmente viciado.
No entanto, ao que tudo indica,
e a despeito do que prometem vários candidatos, o sistema político brasileiro
não sairá renovado das urnas. Será provavelmente o velho sistema de sempre, no
qual o presidente da República precisa construir maioria a cada votação de
projetos de interesse do Executivo. Não raro, o presidente precisa recorrer à
barganha fisiológica para convencer até mesmo políticos de sua própria base
aliada - quando não de seu próprio partido - a votar com o governo. Muitas
vezes o debate sobre o mérito dos projetos, que deveria ser a essência da
negociação política, fica em segundo plano, ou chega a ser totalmente
irrelevante.
Haverá alguma chance de
começar a mudar esse quadro se das urnas emergir um Congresso no qual
prevaleçam partidos e parlamentares com identidade definida e lideranças
fortes, dispostos a constituir uma oposição leal ou a apoiar o governo em torno
de ideias sólidas e do interesse nacional, e não as agremiações que nada mais
são do que um aglomerado de interesses paroquiais, cujos parlamentares atuam
cada um como se fosse o partido de si mesmo.
O momento exige, portanto,
prudência do eleitor. A escolha não pode recair em quem se apresenta apenas
como campeão de honestidade, pois essa é uma exigência básica de todos os
candidatos; tampouco o voto pode ser decidido de maneira irrefletida, quase
automática, quando se escolhem candidatos apenas por serem conhecidos - sejam
celebridades “puxadoras” de votos, sejam integrantes das longevas e corruptas
dinastias políticas.
Para que o País
efetivamente comece a mudar, o eleitor deve refletir se a patente má qualidade
dos seus representantes parlamentares não é apenas consequência de seu
desinteresse pelo resultado das eleições legislativas e na própria atividade do
Congresso, deixando aberto o caminho para que prevaleçam os interesses de bem
organizados grupos de pressão - que, não por acaso, são aqueles que têm impedido
o avanço das reformas.
Ao decidir quem vai mandar
para o Congresso, o eleitor deve ter consciência de que seu voto será
determinante não apenas para interromper a marcha do País rumo ao abismo fiscal
e administrativo, mas principalmente para começar a restabelecer o valor da
política como caminho para a superação dos muitos problemas nacionais.
Portal Estadão