A realidade e o marketing
Eliane Cantanhêde
As sucessivas derrotas
para obter ao menos prisão domiciliar são apenas uma parte das agruras do
ex-presidente Lula. E a menor delas. Com a decisão do Supremo de liberar a
Polícia Federal para acordos de delação premiada – uma prerrogativa até então
do Ministério Público –, dois outros fantasmas rondam a cela de Curitiba:
Antonio Palocci e Marcos Valério. Eles sabem das coisas. E estão abrindo a
boca.
Palocci é Palocci, o homem
forte do início do governo Lula, o homem forte do início do governo Dilma
Rousseff, a ponte entre o PT e o mundo financeiro e apontado por Marcelo
Odebrecht como gerenciador pessoal das contas secretas de Lula na empreiteira.
Imagine-se o que o ex-ministro pode contar para amenizar sua pena...
Quanto a Marcos Valério:
ele acaba de emergir das profundezas do mensalão do PT como um fantasma ferido,
traumatizado, inconformado por não passar de um operador, mas ter sido
condenado à mais dura de todas as penas na estreia do PT no inferno dos
escândalos de corrupção. Uma pena que, segundo o próprio Valério, corresponde a
prisão perpétua.
Em entrevista à revista
eletrônica Crusoé, Valério repetiu a mesma tática de Palocci num depoimento ao
juiz Sérgio Moro: não passou informações objetivas, mas mandou recados graves a
quem interessar possa. Um desses recados, o mais contundente, é de que ele está
“amargamente arrependido” de não ter contado tudo o que sabia sobre o
envolvimento de Lula, então presidente, no mensalão.
Tanto Palocci quanto
Valério focam em Lula por um ótimo motivo – do ponto de vista deles, claro.
Como a situação de ambos na justiça é gravíssima, têm de jogar um anzol de bom
tamanho, e com isca apetitosa, para fisgar o peixe mais graúdo da Lava Jato e
de seus desdobramentos conexos para terem alguma chance de ganhar as graças da
PF e reduzir suas penas.
O prêmio é (ou deveria
ser) equivalente à importância da delação. Se apenas choverem no molhado,
contando o que Moro, o MP e a própria PF já sabem, mirando em bagrinhos e
sardinhas, nada feito. A delação não encanta, o prêmio murcha.
É espantoso que Lula,
condenado em segunda instância e preso, seja convocado como comentarista da
Copa do Mundo e ganhe um espaço privilegiado como palanque de uma candidatura à
Presidência que não passa de miragem. É um meio descarado de campanha
eleitoral, pois não?
Lula, porém, já está
pagando sua pena, continua sob pressão do sítio de Atibaia, do Instituto Lula,
dos caças da FAB, da operação Zelotes e agora enfrenta as ameaças de Palocci e
Valério. Logo, o PT anda em maus lençóis, com um candidato que nem pode ser
candidato nem permite alternativas.
Mas o que dizer do PSDB, contraponto
direto ao PT durante décadas? Triste? Constrangedora? Lamentável? Difícil
escolher um adjetivo para definir a decisão do partido de comemorar hoje seus
30 anos não apenas sem festa, mas às escondidas. Ano eleitoral é hora de se
expor, de aparecer, de disputar espaço e mídia. Mas os tucanos abdicaram do
auditório Nereu Ramos, na Câmara, onde a sigla foi lançada em meio à
Constituinte de 1988 e com a promessa de “ser diferente”. E vão se trancar num
hotel de Brasília.
A conclusão imediata é de
que o PSDB está acuado, tem medo de a festa se transformar em pesadelo e de as
perguntas ficarem em cima das agruras de Aécio Neves na Justiça, da prisão de
Eduardo Azeredo, das denúncias contra o ex-secretário de Alckmin em São Paulo.
Enquanto PT e PSDB sofrem,
Bolsonaro se diverte. Seu vídeo no barbeiro, com as ideias rasas de sempre,
sacode as redes sociais. Irrita os letrados, mas é um inegável sucesso de
marketing político moderno.
Publicado no portal do
Jornal Estado de São Paulo em 26/06/2018