"Nonsense"
Ferreira Gullar
Tenho escrito muito sobre política,
aqui, neste meu espaço, quando poderia estar falando de outros assuntos mais
agradáveis. Sucede, no entanto, que são tantos os fatos ocorridos ultimamente,
envolvendo os interesses dos cidadãos, que me sinto obrigado a comentá-los.
Como já se previa, Dilma, depois de reeleita, arcaria com a herança maldita que
ela própria criou.
Durante a campanha eleitoral, essa
questão foi levantada durante os debates, mas ela negava que houvesse qualquer
problema maior a ser enfrentado, pois tudo o que diziam era mera invenção.
Todos, sobretudo ela, sabiam que não era, e a prova disso é que ainda não
começou o seu segundo mandato, e a encrenca já está aí escancarada.
Na crônica anterior, me referi à
derrota que ela sofreu na Câmara ao propor a criação de conselhos populares e
ao aumento da taxa Selic que, durante a campanha, ela afirmava que não
aumentaria. Houve aumento da gasolina e do óleo diesel, da energia elétrica e
outros virão inevitavelmente, contrariando tudo o que ela prometeu.
A verdade, porém, é que a encrenca
recrudesceu mais cedo do que se esperava, com o avanço da Operação Lava Jato,
que já mandou prender 23 implicados no escândalo da Petrobras, quase todos eles
executivos de grandes empreiteiras que prestam serviços a essa empresa. O
montante das propinas ultrapassa os R$ 59 bilhões.
E os propineiros estavam tão à
vontade que chegaram a criar um clube para assaltar a empresa. Um dos
integrantes desse clube era Renato Duque, diretor de Serviços da Petrobras,
indicado para o cargo pelo então ministro da Casa Civil, José Dirceu. Ao Duque
cabia de 2 a 3 % do montante da propina, que ele passava para o PT e partidos
aliados.
Como se trata de uma empresa de porte
internacional, tem a Petrobras ações em bolsas de países, como os Estados
Unidos, de modo que esse escândalo tende a ganhar escala internacional,
comprometendo gravemente o prestígio da nossa maior empresa.
Diante disso o governo, no início, se
fez de surdo e não respondeu aos jornalistas. Mas não dá para fazer de conta
que não tem nada com isso, como, aliás, é o jeito dos petistas de sair pela
tangente.
Numa entrevista a Miriam Leitão, o
ministro Mercadante adotou o mesmo procedimento que Dilma durante a campanha
eleitoral: quando lhe perguntavam alguma coisa inconveniente, ela respondia
outra, e quase sempre aludindo ao governo de Fernando Henrique Cardoso. Aécio,
diante daquilo, pedia que ela deixasse de lado o passado e falasse do presente
e do futuro. Pois bem, lembrei-me dela ao ouvir as respostas de Mercadante.
À pergunta sobre a situação atual da
economia brasileira, que não cresce, o ministro respondeu: "A China também
reduziu o crescimento". Não adiantou a Miriam dizer que não queria saber
sua opinião sobre a China e, sim, sobre o Brasil. Claro, a China reduziu seu
crescimento de 14 para 7,5 %, enquanto o Brasil caiu de 2 para 0,2 %.
Parece piada. Mas não é. Esse é o
truque de que se valem os petistas para fugir às perguntas inconvenientes.
No dia seguinte, quem apareceu
falando na televisão foi o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
No caso dele, não se tratava de
responder a perguntas de jornalistas, mas de tentar convencer a opinião pública
de que esses escândalos todos não têm maior importância, uma vez que o governo
está dando todo apoio à apuração da verdade.
Já a oposição, que perdeu as eleições
–disse ele– está querendo reabrir a campanha eleitoral, como se houvesse um
terceiro turno. E acrescentou: "Quem perdeu perdeu; quem ganhou ganhou. E
quem ganhou governa". E quem perdeu, faz o quê? pergunto eu. Fica caladinho,
porque, se falar, está querendo um terceiro turno, ou seja, dar um golpe?
Um ministro da Justiça não pode dizer
uma coisa dessas, porque dá a entender que não deve haver oposição a quem
ganhou. Ou seja, só quem ganhou tem o direito de falar, opinar, mentir à
vontade. Já os derrotados, uma vez que perderam, não podem criticar o governo
porque, se o fizerem, estarão querendo derrubá-lo. É bem o PT, que sempre fez
feroz oposição a governos adversários. De minha parte, defendo a legitimidade
do mandato de Dilma Rousseff.
Coluna publicada no jornal Folha de São Paulo