STF tende a confirmar
vigência da Lei da Ficha Limpa. Como isso afetará os políticos
Por
Wilson Lima
Ministro Luiz Fux
Apesar de várias mudanças
em sua composição nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) tende a
ratificar, em plenário, o entendimento já consolidado sobre o período de
vigência da Lei da Ficha Limpa. O assunto ainda não tem data para ser julgado,
mas o presidente do STF, Luiz Fux, já sinalizou que vai a pautar o caso no
início do ano de 2021.
Às vésperas das férias no
Poder Judiciário, o ministro do STF Kassio Nunes Marques atendeu a um pedido do
PDT e suspendeu um trecho da Lei da Ficha Limpa que determinava que o prazo de
inelegibilidade para os “ficha-suja” começaria a contar após o cumprimento da
pena.
De acordo com a lei
135/2010, após ser condenado por corte colegiada quer seja por crime de
improbidade administrativa quer seja por lavagem de dinheiro, o cidadão
torna-se inelegível por oito anos. Mas a suspensão dos seus direitos políticos
começa a contar após o cumprimento da sentença do crime originário.
O ministro Nunes Marques,
porém, deu outro entendimento à alínea E, do inciso I do art. 1º da Lei
Complementar 64/1990. Para o magistrado, o cumprimento da inelegibilidade
transcorre em paralelo à condenação por outro crime. Na prática, a decisão de
Nunes encurta as sanções contra os ficha-suja e esvazia a Lei da Ficha Limpa já
que independentemente das condenações, um cidadão somente pode ficar inelegível
por, no máximo, oito anos.
Desde quando entrou em
vigência, em 2010, a Lei da Ficha Limpa já passou pelo crivo do plenário do STF
em pelo menos cinco oportunidades. Além disso, a composição do plenário sofreu
sucessivas mudanças nos últimos anos. Desde quando a lei entrou em vigência,
passaram a fazer parte do STF os ministros Nunes Marques, Alexandre de Moraes,
Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, este hoje presidente do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE).
Mesmo com essas
alterações, a Gazeta do Povo apurou que a tendência é que o Plenário do STF
mantenha o entendimento já consolidado da lei, segundo o qual o período de
inelegibilidade vigora a partir do fim do cumprimento da pena, e não paralelamente
a ele. Isso pelo fato de que até os ministros que entraram no tribunal após a
vigência da Lei da Ficha Limpa têm entendimento da manutenção da aplicação
originária da norma.
Essa visão é pactuada
pelos ministros Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Rosa Weber e
pelo presidente do STF, ministro Luiz Fux. Também tende a se manifestar neste
sentido o ministro Alexandre de Moraes e Marco Aurélio Mello. A visão de Kassio
Nunes Marques é endossada apenas por uma parcela pequena de ministros, entre os
quais, Gilmar Mendes.
Esvaziamento da Ficha
Limpa poderia beneficiar Lula
Dentro da seara política,
um dos grandes beneficiados em um eventual esvaziamento da Lei da Ficha Limpa
nos termos decididos por Nunes Marques é justamente o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva.
Em abril de 2019, a 5ª
turma do Superior Tribunal de Justiça manteve a condenação de Lula por
corrupção e lavagem de dinheiro na operação Lava Jato no caso do tríplex do
Guarujá. Pela norma anterior, Lula estaria inelegível por pelo menos 15 anos
após o início do cumprimento da sentença determinada pelo STJ – os sete anos
restantes (já que Lula cumpriu um ano de prisão) mais os oito anos de
inelegibilidade determinados pela Lei da Ficha Limpa.
Pela tese de Nunes
Marques, porém, Lula poderia voltar à cena política sete anos após voltar a
cumprir essa sentença. Ou seja, se hipoteticamente o petista voltasse a cumprir
sua condenação pela Lava Jato, ele estaria apto a disputar eleições em 2028.
A decisão de Nunes Marques
esvaziando a Lei da Ficha Limpa provocou uma corrida de candidatos ficha-suja a
prefeito e vereador no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Todos eles requerendo
suas respectivas diplomações mesmo sem cumprir o período integral de
inelegibilidade determinado pela Lei.
Até o final da semana,
quatro candidatos a prefeito e um a vereador tentaram obter o benefício. A
situação envolve os candidatos a prefeito de Pinhalzinho (SP), Pesqueira (PE),
Angélica (MS) e Bom Jesus de Goiás (GO) e um candidato a vereador de Belo
Horizonte (MG). Diante do imbróglio, o presidente do TSE impediu a posse do
candidato a prefeito de Pinhalzinho e vai aguardar a definição do STF para
adotar demais providências.
Assim, de acordo com a
decisão do Luís Roberto Barroso, o candidato considerado inelegível não pode
tomar posse. Porém fica suspensa a convocação de eleições suplementares até a
definição da questão pelo plenário do Supremo. Na prática, o presidente da
Câmara assume até a resolução da questão.
Em seu despacho
originário, o ministro Nunes Marques alegou que esse trecho da Lei poderia ser
desproporcional já que, para ele, soma dois tipos de punições sendo um
“desprestígio ao princípio da proporcionalidade”. Ainda para o magistrado, a
decisão poderia abranger apenas candidatos das eleições de 2020.
Na semana passada e com
receio de um efeito cascata, a Procuradoria-Geral da República (PGR) recorreu
da decisão originária de Nunes Marques. Para o vice-procurador-geral da
República, Humberto Jacques de Medeiros, a decisão individual fere súmulas do
TSE e qualquer mudança normativa eleitoral somente tem vigência um ano antes do
pleito.
“O tema, como se vê, foi
expressamente discutido e afastado em sede própria, com a observação de todos
os órgãos da cadeia judicial”, observa Humberto Jacques em seu parecer. “A
questão, portanto, não é nova, nem foi inaugurada no pleito de 2020”,
complementa o vice-procurador-geral.
Fonte: Gazeta do Povo