A democracia da cueca
J.R. Guzzo
Imagine por um instante –
mas só por um instante; tente pensar em alguma outra coisa o mais rápido
possível – que o senador que foi pego em flagrante escondendo dinheiro na cueca
tivesse sido mais esperto do que foi e, com isso, pudesse ter enganado o rapa
da polícia. Ninguém teria ficado sabendo de nada, não é mesmo? Imagine, então,
o que teria acontecido na vida real.
Esse homem, por mais
demente que a coisa possa parecer, teria votado na aprovação do novo ministro
do Supremo Tribunal Federal, a “corte” ótima e máxima da Justiça brasileira. É
isso mesmo: um indivíduo acusado de ser ladrão, e ladrão de dinheiro que
deveria ter ido para o combate da Covid-19, nomeia o supremo magistrado que tem
de julgar, justamente, os acusados de ladroagem. É essa a regra, no Brasil. São
essas as “instituições”.
O senador da cueca só não
votou porque os colegas, que estão fechados com ele, acharam que assim também
já seria demais; arrumou-se uma “licença de 90 dias” para o homem e a safadeza,
como acontece em 10 a cada 10 vezes no Senado Federal, foi toda para baixo do
tapete.
Os 81 senadores da
República, agora, vão esperar que a história esteja esquecida daqui a três
meses; aí, quando ninguém estiver mais lembrando, o Sr. Cueca volta de fininho
para a sua cadeira, é cumprimentado afetuosamente pela companheirada por ter
escapado dessa e pode dedicar-se em paz à retomada de seus projetos.
Não pode ser de outro
jeito: a maioria (totalidade?) dos senadores brasileiros é, pura e
simplesmente, a favor de meter a mão em dinheiro público – embora possam
preferir outros lugares para escondê-lo da polícia. Se são a favor do roubo,
não podem ficar contra quando um colega é pego roubando.
A coisa está fechada pelos
sete cantos – não há mínima possibilidade de que o público pagante possa se
defender do Senado e da Câmara de Deputados que estão aí, nem do STF e do resto
da tribunalzada que se espalha do Oiapoque ao Chuí.
Se por algum motivo o
senador da cueca tiver de ficar afastado do cargo por mais de 120 dias, nossas
instituições sagradas mandam que o lugar seja entregue ao “suplente”. E quem é
esse “suplente”? O filho do próprio senador que foi flagrado enfiando dinheiro
nas roupas íntimas. Ou seja: é rigorosamente impossível, pelo que está
estabelecido na Constituição Federal, qualquer incômodo real para os
delinquentes do Congresso. Sai o pai, entra o filho, e a verba da Covid-19
continua à disposição da família.
O mais chato é que o
cidadão ainda tem de aguentar a discurseira dos grandes vultos da nossa vida
pública exigindo o “respeito às instituições” – e as caras aflitas dos
locutores de telejornais do horário nobre, em seu surto permanente de defesa da
“democracia”. Instituições e democracia no Brasil são o senador da cueca, seu
filho e tudo o que vem junto. O resto é conversa.Ã