1 - Cada real a mais para
o funcionalismo é um real a menos para a população
J.R. Guzzo
O Senado Federal confirmou
mais uma vez que a democracia brasileira é uma piada. Que democracia pode haver
num país onde os cidadãos não são iguais perante a lei? O Senado não é,
naturalmente, o único ente público a agir na preservação desta deformidade –
opera em perfeito entendimento com a Câmara dos Deputados, o Poder Judiciário
como um todo e membros do Executivo, nos três níveis, todos unidos para fazer
do Brasil um país que mantém oficialmente duas classes legalmente diferentes de
pessoas. Uma delas é a dos funcionários públicos. São, hoje, cerca de 12
milhões de brasileiros. Na outra estão os demais 200 milhões da população
nacional. Os primeiros, muito simplesmente, têm mais direitos que os segundos.
Democracia? O que existe
aí é uma gambiarra que faz o conjunto servir à parte: todos pagam impostos, mas
quem fica com o dinheiro é o Estado, e o Estado é uma soma de gente e de
despesas. No caso presente, o Senado derrubou o veto que o presidente da
República tinha assinado contra os aumentos de salários no funcionalismo – uma
necessidade urgente em tempos normais, e desesperada hoje em dia, com uma
epidemia que já matou mais de 100 mil pessoas e, em consequência dela,
paralisou a economia do país. Todos os brasileiros estão com os seus salários
congelados ou mesmo reduzidos em função desta tragédia. Mas os funcionários do
Estado, por decisão oficial do Legislativo, não podem ser tocados, nem de leve.
Não pode haver nada mais
perverso em matéria de concentração de renda – e, na circunstância de hoje,
nada mais hipócrita. Há quatro meses o Brasil vive um massacre de propaganda
pública e de grandes empresas dizendo que “nunca” foi tão importante ser
“solidário”, “dar-se as mãos”, “ficar juntos” e exibir outras maravilhas do
caráter humano. Mas na hora de botar a mão no bolso em favor do interesse
comum, a conversa muda completamente.
O funcionalismo não
contribui com um tostão – ao contrário. O dinheiro que servirá para pagar os
seus aumentos salariais, esses que o Senado acaba de declarar sagrados, não é
“do governo”, como dizem os políticos. Não existe “dinheiro do governo”. Só
existe o dinheiro dos impostos pagos por todos – e cada real a mais para o
funcionalismo é um real a menos para a população. Não há como revogar a
matemática.
2 - Ativismo do Judiciário
ataca de novo: não pode relatório de inteligência
Alexandre Garcia
O Supremo Tribunal Federal
decidiu pela suspensão imediata do monitoramento, pelo Ministério da Justiça,
de servidores integrantes de movimentos antifascistas. Isso é a Corte fazendo
recomendação sobre sistemas de informações do poder Executivo.
Os três poderes têm
sistemas de informações para proteção. É uma proteção do Estado. Se algum órgão
acha que existe uma quinta coluna ou gente que na hora que for acionada não vai
corresponder é preciso tomar cuidado.
Quando o Supremo suspeitou
de que a ameaça de colocar uma bomba dentro da Corte era real, eles abriram um
inquérito para descobrir quem havia feito a ameaça.
Outro exemplo, quando o
Alexandre de Moraes foi ameaçado, houve busca e apreensão na casa dessas
pessoas e as contas delas foram bloqueadas. Alguns órgãos de jornalismo digital
até tiveram computadores apreendidos.
O STF fez isso, mas não
quer que o poder Executivo faça. Se a União cometer algum crime, isso precisa
ser punido. Se o Executivo bisbilhotar informações confidenciais sem motivo,
tudo bem haver uma punição.
Tanto que o ministro da
Justiça, André Mendonça, quando soube, demitiu o chefe da seção que fez o
dossiê dessas pessoas que se dizem antifascistas, mas que tem características
fascistas. A troca de rótulo não muda o conteúdo.
Causa do desequilíbrio
entre poderes
Participei, na
quinta-feira (20), de um congresso da Sociedade de Engenharia do Rio Grande do
Sul. Fiquei honrado com esse convite — era o único não jurista do encontro.
Eu no meio deles me senti
um estagiário. O debate teve mediação do Luiz Roberto Ponte, presidente de
honra, ex-constituinte e ex-ministro-chefe do Gabinete Civil do ex-presidente
José Sarney.
Além de Luiz Roberto
Ponte, estavam presentes também Modesto Carvalhosa, Ives Gandra Martins, Carlos
Thompson Flores e Adilson Abreu Dallari. Quatro dos maiores juristas deste
país.
O assunto era a falta de
harmonia e equilíbrio entre os poderes brasileiros. O objetivo era descobrir o
que está acontecendo. Acabou que todo mundo acusou os integrantes do Supremo.
Parece que as discussões
foram todas politizadas, que há ativismo judiciário ou até uma tentativa de
compensar a derrota nas eleições. Como disse Gandra “isso é querer esticar a
corda”.
São interferências
incríveis. Queriam checar o celular do presidente da República; impediram a
nomeação do diretor da Polícia Federal alegando que era interferência política,
mas ele foi eleito para isso.
Alguns poderes de
Bolsonaro foram "cassados" porque o STF anulou algumas partes da lei,
interferindo no Congresso Nacional também. Fachin tentou até criar uma lei que
permitia a cassação de mandato por abuso de poder religioso.
Tudo isso é competência
dos legisladores, que receberam voto popular para cumprir esse papel. O STF
existe para interpretar a Constituição e julgar os casos de foro privilegiado e
não para criar leis.
O desembargador Carlos
Thompson Flores, ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em
Porto Alegre, lembrou que a Suprema Corte dos Estados Unidos não julga assuntos
políticos.
Eu lembro que antigamente
o Supremo sempre dizia “assunto interna corporis” e não julgava algumas
situações por entender que era assunto da Câmara e do Senado, ou da presidência
da República.
Foi o Supremo quem fez as
regras para o julgamento de impeachment de Dilma Rousseff. Mas diante de crime
de responsabilidade quem deve julgar o(a) presidente é o Senado Federal. Não há
um problema de insegurança jurídica e sim de insegurança institucional.
Ives Gandra está
esperançoso de que o novo presidente do Supremo, Luiz Fux, faça com que a Corte
tenha a humildade de recuar nesses avanços que estão desequilibrando as
balanças dos três poderes.