Mandetta 2022: lá vem o
pico
Por Guilherme Fiuza
Henrique Mandetta (se não
lembrar quem é vai no Google) surpreendeu zero pessoas ao dizer que pode ser
candidato a presidente. Ou talvez uma meia-dúzia ainda estivesse achando que
aquele personagem de coletinho e topete falando pelos cotovelos na televisão
quase 24 horas por dia era ministro da Saúde. Para quem não se lembra (estamos
aqui pra isso), a verborragia salvacionista do suposto ministro chegou a
considerações sociológicas sobre a condição humana dos traficantes de drogas.
Droga pesada é um homem usar pandemia como palanque.
Aí está. Pelo menos agora
os verdadeiros propósitos saíram do armário. Mas esse armário sempre foi
transparente para quem não se recusou a olhar para ele. Quem olhou, viu de
tudo. Viu previsões levianas sobre projeção da epidemia, um pico móvel que
estava sempre um pouco adiante – e ainda hoje está lá na linha do horizonte, em
algum ponto nebuloso entre setembro e dezembro, enquanto 2022 não vem. No
registro civil o ponto mais alto de óbitos por coronavírus no Brasil está em maio,
mas o pico do Mandetta é uma instituição comprometida com o futuro.
Ia faltar respirador (hoje
sobram superfaturados), ia faltar leito se a população não se enfiasse toda em
casa – e de casa começou a vir o maior número de infectados para os hospitais,
como demonstraram os dados de Nova York e da própria Organização Mundial da
Saúde. Gente que praticou quarentena severa pegou o vírus, porque ele não ouviu
o discurso do Mandetta e já estava por toda parte quando o confinamento
começou. O famoso achatamento da curva pelo lockdown místico não achatou nem o
topete do homem do coletinho – que continuou botando a culpa da sua demagogia
eleitoreira na ciência.
Num show de coerência,
depois de passar mais de um mês pregando diariamente que todas as pessoas se isolassem
totalmente umas das outras, Mandetta se despediu do cargo de ministro da Saúde
jogando às favas seu isolacionismo – e saiu abraçando seus auxiliares sem
máscara em ambiente aglomerado. Viu como ele estava preocupado com vidas?
A cena está por aí para
quem quiser revisitar o monumento à hipocrisia – e com certeza será a peça
central da campanha Mandetta 22, com narração do próprio candidato sobre as
imagens eloquentes: “Olá, esse aí sou eu, Henrique Mandetta, brincando de
ministro da Saúde para tripudiar do pânico geral no meio de uma pandemia”. Tá
eleito.
Ao tirar sua politicagem
do armário, Mandetta disse que pode compor uma chapa com Sergio Moro. Será, de
fato, uma chapa perfeita. Depois de fazer história liderando a operação Lava
Jato, Moro resolveu ser Mandetta na vida. Em plena pandemia, com os cidadãos
apanhando na rua a mando dos tiranetes de lockdown, o então ministro da Justiça
resolveu se dedicar à internet com mensagens de autoajuda sobre prudência.
Soa enigmático? Mas não
tem enigma nenhum aí. Sergio Moro estava fazendo política contra Bolsonaro (o
chefe do governo a que ele servia), com a mesmíssima sutileza de elefante
adotada por Mandetta para se apresentar como “oposição” à postura do presidente
a favor da circulação controlada da população. Não se sabe se Bolsonaro estava
certo ao propor o isolamento apenas dos vulneráveis e grupos de risco, com
distanciamento e proteção dos demais. O que se sabe, com toda certeza, é que
Moro e Mandetta estavam fazendo política no meio da tragédia.
Abandonaram o barco e
estão aí até hoje soltando conselhos de prudência e “se cuida” a 1,99. Os
motivos alegados por ambos para se opor e romper com o governo continuam
boiando no ar à espera de comprovação. Mas quem confunde circo com ciência não
precisa comprovar nada.