A bandeira e a crise
Por Alexandre Garcia
Nascemos num país que não
sofre terremotos, furacões, erupções vulcânicas; desfrutamos de um saudável
clima variado, temos terra suficiente para alimentar o mundo, belezas naturais
de todos os tipos; não temos atentados terroristas que volta e meia abalam
outros países, nem tínhamos ódios raciais, ideológicos ou luta de classes.
Nos últimos anos, esses
ódios foram se institucionalizando e agora se expressam nas ruas e noticiários.
Parece masoquismo, em que podemos ser felizes mas nos submetemos
à penitênciado sofrimento.
Como se não bastassem a
crise sanitária, que já leva 44 mil vidas e a consequente crise econômica, que
vai matando milhares de empresas e milhões de empregos, alimentamos uma crise
institucional entre a Suprema Corte e a Presidência da República. O
disse-me-disse entre uns e outros é seguido pelas torcidas da mídia e das ruas,
quase com tanta fúria quanto certas torcidas organizadas do futebol - que,
aliás, entraram também nesse campo.
A Saúde e a Economia
sofrem crises reais, fora do controle e da vontade dos que operam esses
setores. A crise político-institucional não está fora de controle. Acabaria no
momento em que a sensatez imperasse de ambos os lados e em ambas as torcidas.
Egos e vaidades cedendo passagem para o bem comum.
No inçado terreno da
insensatez, inventaram do nada, do éter, do vazio, o fator militar. No
masoquismo reinante, estão procurando, com o fósforo aceso, se há pólvora no
barril. Em 1964, na lembrança de meus 23 anos, começou com a Igreja assustada
com o comunismo; seguiram-se os grandes jornais - a TV ainda engatinhava - e o
povo foi às ruas, exigir que os quartéis dessem um contragolpe no governo que
estaria preparando a revolução marxista.
Na época, o presidente era
o vice e não tinha representação de quase 58 milhões de eleitores. Agora
mudaram os personagens, mas o libreto da ópera mostra uma reprise de
argumentos.
E já que lembramos do
período militar, recordemos que o Supremo não fechou um dia sequer e que até o
Superior Tribunal Militar absolvia enquadrados na Lei de Segurança Nacional.
Hoje já se enquadram pessoas na LSN. E a crise fabricada começa a andar por
conta própria, com manifestos, foguetórios, vivandeiras de costume - e o povo
fardado, formado para defesa da Pátria, da lei e da ordem, assiste preocupado a
esse desperdício inútil de energia, num tempo em que todo poder nacional
deveria se concentrar no combate a uma doença atinge a vida de pessoas físicas
e jurídicas.
É insano alimentar mais
uma crise, se estamos sob a mesma bandeira.