Escravidão voluntária
Por Guilherme Fiuza
Ok, você quer acordar
desse sonho macabro. Mas ainda não é agora. Primeiro você vai ter que sonhar
que viu João Dória anunciando com um laboratório chinês a vacina para o
coronavírus.
Isso um dia depois de ser
convidado a explicar por que comprou câmeras frigoríficas para cadáveres que
não poderão ser guardados nelas. Pesadelo é pesadelo. A vacina chinesa do
governador de São Paulo terá a participação do Instituto Butantã – que seguiu a
linha do Imperial College de Londres e soltou projeções arbitrárias sobre a
epidemia. Tudo para que o governador pudesse dizer, na ponta de um lápis
imaginário, quantas vidas estava salvando com a quarentena totalitária. Nem a
OMS, nem cientista nenhum no mundo tem essa fórmula. Mas sonho ruim é assim
mesmo, só serve para empapar o lençol de suor.
E não adianta virar para o
outro lado, porque vai vir um especialista crispado, enchendo a tela da TV, te
dizer que há novos casos de coronavírus no Brasil porque o lockdown precisa ser
mais asfixiante. Você vai gritar – e ninguém vai ouvir, como em todo pesadelo –
que esse especialista é um irresponsável. Que ele está afirmando algo que a
ciência desconhece. Que a comparação entre o Reino Unido e a Suécia joga essa
certeza no lixo. Que esses tarados da quarentena burra expurgaram de suas
equações delirantes o fator de contágio doméstico, atestado pela própria OMS.
Tudo em vão. Por mais que
você berre, a sua voz não sai. Ninguém te ouve. E volta o apresentador funesto
à tela da TV para dizer que a culpa é do velhinho que foi à padaria. Aí você
grita que isso é uma leviandade, que em Nova York o grupo dos que circularam
apresentou muito menos infecção que o grupo dos confinados. Você se esgoela
para dizer que, depois de deflagrada a pandemia, a ideia de que a humanidade ia
ficar trancada em casa deixando o vírus do lado de fora era uma miragem. Uma
miragem terrível.
Mas, e daí? Você queria um
pesadelo com miragem bucólica?
Entre flashes difusos de
Bruno Covas soldando as portas do comércio e recitando planilhas de urnas
funerárias e sacos para cadáveres, surge um personagem que você não conhecia.
Estamos tomando a liberdade de entrar no seu sonho para apresentá-lo: é Berbel,
o Feiticeiro Multimídia, que está vendo o filme completo passando na sua cabeça
e veio te ajudar a entendê-lo. Ouça as palavras de Berbel:
“Bastou um único comando –
fique em casa – para o mundo inteiro parar ao mesmo tempo. E disseram que o
vírus veio ajudar o ser humano a dar mais valor a si mesmo e ao semelhante que
está ao seu lado. Mensagens lindas começaram a circular na internet sobre a
oportunidade valiosa de aprender a viver com menos, de não precisar sair para
trabalhar. Caberia aos governos finalmente exercer a bondade e prover o pão
para os que não têm.”
Continue ouvindo Berbel, o
Feiticeiro Multimídia:
“No confinamento
proliferaram lições sobre os males do capitalismo e o despertar para uma nova
realidade onde não pensaremos mais em dinheiro, só em vidas. Chega de mercado –
cada um produz seu próprio sustento. A Terra estava mesmo precisando respirar,
e agora os mares e rios estão limpos pela quarentena. Tudo natural, a não ser o
chip que vão colocar em você para te vacinar. E através desse chip, uma
autoridade mundial, tipo uma OMS turbinada, vai te monitorar para cuidar de
você. Final feliz.”
Não entendeu o recado do
Feiticeiro Berbel? Sem problemas, traduzimos para você. Ele te disse o
seguinte: se o seu sonho não é se tornar um silvícola chipado... Acorda! Antes
que seja tarde.