Clima ruim na política
brasileira
Por J.R. Guzzo
Há um clima ruim na
política brasileira, possivelmente o pior até onde a memória alcança nos anos
mais recentes. Já não estava bom antes da chegada do coronavírus ao Brasil, por
volta de dois meses atrás, com o conflito cada vez mais aberto, mais rancoroso
e mais intransigente entre o governo do presidente Jair Bolsonaro, de um lado,
e as chefias que dão o tom à atuação do Congresso Nacional, de outro. O
Judiciário, no meio, não tem a confiança de nenhuma das duas partes, e menos
ainda da população; não tem estatura, nem moral, para mediar nada. Agora, com o
desastre trazido pela epidemia, a disputa ficou ainda mais perniciosa. Será tão
ruim quanto o vírus se ela degenerar em guerra.
É verdade que não se pode
subestimar os altos teores de mentira que envolvem o presente confronto; é
possível, de um lado e do outro, que haja mais gente fazendo cena para a
plateia do que operando a sério para virar a mesa. Mas, do ponto de vista das
cenas exibidas ao público, nunca a situação pareceu tão complicada como agora.
Vai se ver mais adiante, inevitavelmente, se isso é mais uma batalha de
Itararé, a que nunca aconteceu, ou se é uma briga à vera. No momento, o que
temos é um estado de hostilidade declarada entre os poderes.
Este domingo foi um marco.
Em Brasília, para surpresa e susto de muita gente, o presidente da República
decidiu discursar diante de uma multidão que se juntou em frente ao
Quartel General do Exército – logo onde – pedindo “intervenção militar já”,
fechamento do Congresso e do STF, a volta do Ato Institucional número 5, que
boa parte dos manifestantes nem saberia explicar direito o que foi, e por aí
afora. De cima de uma caminhonete, cercado por um cordão de isolamento composto
por cerca de 200 militares do Exército, Bolsonaro veio com artilharia pesada.
“Nós não vamos negociar nada”, disse ele. “Temos de acabar com essa patifaria.
Esses políticos têm de entender que estão submissos à vontade do povo
brasileiro.”
Foram as palavras mais
pesadas que Bolsonaro já utilizou em público desde o começo da briga com o
Congresso. “É o povo no poder”, resumiu ele, enquanto oficiais do Exército
tiravam selfies e sorriam para a multidão. Foi uma maneira de dizer ao mundo
político que, no seu entendimento, a massa da população está com ele, e não com
os deputados, senadores e magistrados – e que pretende apostar no apoio da rua
para enfrentar o inimigo. Parece convencido, também, que as Forças Armadas
estão fechadas com ele. (No mesmo momento, o general Edson Pujol, comandante do
Exército, declarou que a epidemia é “uma das maiores crises vividas Brasil nos
últimos tempos”. A “força terrestre está em sintonia com as necessidades e
aspirações do país” disse ele. “Somos 220.000 combatentes dispostos a lutar”.)
O general Pujol estava
falando da disposição dos militares em combater o vírus, mas é pouco provável
que o Exército tenha se empenhado a sério em dissuadir os organizadores da
manifestação de escolherem justamente o espaço púbico em frente ao Quartel
General para pedir o fechamento do Congresso e do Supremo. Há o direito
constitucional à livre expressão, é claro, e as Forças Armadas não podem
impedir que as pessoas se manifestem – mas por enquanto ninguém ainda viu os
militares assinarem proclamações de apoio ao deputado Rodrigo Maia, ou ao
presidente do Senado, ou aos altos magistrados dos nossos tribunais superiores.
Se não podem contar com a
devoção das Forças Armadas, muito menos é o povo nas ruas que vai salvar os
políticos numa briga de verdade, não é mesmo? Nem eles acreditam nisso. A coisa
realmente não está boa.