Povo vai às ruas protestar
contra os
parlamentares. E a culpa é toda deles
Por J.R. Guzzo
É muito ruim que uma parte
da população brasileira encontre razões para sair de casa no dia 15 de março e
ir à praça pública manifestar sua hostilidade, desrespeito e desprezo pelo
Congresso Nacional. O Congresso é uma peça essencial da democracia – não pode
ser considerado um inimigo do povo em nenhuma sociedade que pretenda ter uma
vida democrática.
Tão ruim quanto isso são
as tentativas, por parte dos que se apresentam como os marechais-de-campo do
Estado de Direito, de negar o direito moral dos manifestantes a fazer o seu
protesto, ou de acusar de serem inimigos da democracia os brasileiros dispostos
a se manifestar no dia 15. Pior que as duas coisas, porém, parecem ser as
demonstrações explícitas de cegueira quanto à questão básica disso tudo: de
quem é a culpa pelo que está acontecendo?
Os grupos de direita que
organizam as manifestações são, certamente, peças fundamentais na criação dessa
fervura. As forças que gostariam de eliminar a democracia no Brasil também
existem; estão ativas na ofensiva contra os políticos, simbolizados como um
todo pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Há nas redes sociais
propaganda explícita e agressiva pregando a abolição do Estado de Direito.
Também parece haver, dentro do governo, grupos determinados a agir em favor de
um regime de força. O presidente e seus filhos atiçam abertamente a fogueira.
Tudo isso é verdade.
Mas não estão aí os
verdadeiros responsáveis pelo clima criado contra parlamentares e Parlamento.
Por mais que façam, nenhum deles conseguiria colocar multidões na rua se essas
multidões, por conta absolutamente própria, não estivessem detestando, do fundo
da alma, a maioria dos ocupantes de cadeiras no Congresso.
Resumo, em português
claro: os responsáveis diretos pela ida do povo às ruas no dia 15 de março são
os próprios deputados e senadores, e ninguém mais. Dizer o contrário é mentira.
Não mencionar a culpa direta dos parlamentares pelo que está acontecendo pode
ajudar a compor belas construções de pensamento, sobretudo quando acabam por
jogar a culpa de tudo no presidente da República – mas é apenas mentira.
O Congresso Nacional tornou-se
odioso para grande parte da população única e exclusivamente pelos atos dos
seus membros. A indignação não é contra o fato de existir um Congresso no
Brasil. É contra aquilo que os congressistas fazem. Só isso.
Foram os organizadores do
protesto do dia 15, por acaso, que aprovaram o infame “fundo partidário” –
assalto à mão desarmada, sem disfarce, ao bolso do contribuinte, para entregar
aos políticos dinheiro público que podem usar mais ou menos como querem? Foi a
direita, ou os acusados de serem “golpistas”, que aprovaram o “fundo
eleitoral”, tão safado quanto o outro ? Quem aprovou a doação de verbas do
orçamento aos parlamentares? Quem foi que proibiu a abolição do “seguro
obrigatório” para veículos, que o governo tinha decidido? Quem impede o direito
da população a ter um acesso mínimo a armas de fogo? Quem protelou a aprovação
do pacote anticrime do ministro Sergio Moro? Quem vota o tempo todo a favor dos
direitos dos criminosos?
São os deputados e
senadores que fazem cada uma dessas coisas, todas elas intoleráveis para a
maioria da população. E quando a população quer expressar em público a sua
revolta contra o que os congressistas estão fazendo é ela, a população, que
acaba acusada de “atacar as instituições”? É o que diz grande parte da mídia, a
esquerda em geral e o Brasil moderado do “centro” e do “equilíbrio”. Fica muito
difícil convencer a maioria dos cidadãos comuns de que isso possa fazer algum
sentido.
É positivamente absurda,
enfim, a pretensão cívica de impedir que as manifestações sejam realizadas.
Trata-se de um direito elementar de qualquer democracia – no caso do Brasil,
esse direito é garantido expressamente pelo inciso XVI do artigo 5º da
Constituição, onde se diz que todo o cidadão é livre para se manifestar em
público, pacificamente, sem ter de pedir autorização a ninguém. Não se diz,
ali, que é proibido fazer manifestações contra o Congresso, e muito menos
contra os congressistas.