Petra Costa é
corresponsável pela
vertigem da democracia
“Recebemos com alegria a
notícia de que Democracia em Vertigem está entre os filmes indicados ao Oscar”,
tuitou Gleisi Hoffmann, antes de completar com um desejo para o documentário da
diretora Petra Costa: “Que venha a estatueta ”
É sintomático que a presidente
do PT use o verbo no plural, dando a entender que o partido como um todo
recebeu a notícia com alegria. “A verdade vencerá”, tuitou Lula pouco depois.
Em seguida, o site do Partido dos Trabalhadores publicou, com ares de nota
oficial, elogios da sua bancada parlamentar ao documentário.
Democracia em Vertigem,
para quem não se lembra, é um documentário que tem como grande trunfo o acesso
exclusivo a Lula e Dilma nos momentos-chave do impeachment. Ricardo Stuckert,
fotógrafo oficial de Lula há décadas, permitiu o uso do seu acervo por Petra.
Tamanho privilégio seria concedido a um documentarista “não-companheiro”?
Duvido.
Naqueles momentos
divisivos, é improvável que a direção do partido permitisse a aproximação de um
cineasta aberto ao pensamento crítico. De antemão, já se sabia que Lula
chamaria o resultado final de “a verdade”. Assim, fica fácil entender porque a
presidente do PT usou o plural: o documentário é indissociável do partido que
Gleisi preside.
A associação com o petismo
não é suficiente para entender o documentário, mas é importante. Em termos
práticos, é um documentário do PT, cuja realização dependeu da aprovação prévia
do conteúdo pelo partido. Não se trata de um detalhe irrelevante.
Escrevi uma crítica ao
documentário aqui na Gazeta, logo quando o filme saiu. Mantenho a opinião de
então: Democracia em Vertigem é inútil enquanto fonte de informação. O
documentário transmite ao leitor as imagens dos protestos a favor e contra
Dilma sem contextualizar o número de manifestantes em cada um. Todos os
retratados em protestos são imbecis e autoritários.
Os graves
erros do documentário de Petra Costa
O documentário de Petra
Costa dispensa comentários sobre a crise econômica brasileira, assunto restrito
a duas frases aos 30 minutos de documentário. Petra Costa afirma que a crise
começou em 2015, mas a recessão começou em 2014 e a desaceleração do
crescimento vem desde 2010. Essa é uma das causas de junho de 2013, mas o
espectador termina o filme sem saber disso. Não há qualquer referência à massiva
aprovação popular do processo de impeachment, verificada por diversos
institutos.
Se fossem erros
aleatórios, beneficiando grupos políticos diversos, já seriam imperdoáveis. Não
dá para avaliar o que ocorreu no Brasil sem informações básicas. O problema se
agrava consideravelmente quando notamos que todos os erros coincidem por
absolverem um grupo político.
O objetivo do documentário
de Petra Costa não é gerar reflexões, mas promover o avanço de uma tribo. E é
por isso que a concessão de imagens exclusivas do PT é relevante para avaliar o
documentário: trata-se da evidência operacional da submissão da autora ao
partido, que se soma a outras para formar o quadro completo.
Isto posto, cabe perguntar
por que a Netflix embarcou na propaganda de um partido brasileiro. Ao menos em
parte, parece provável que a empresa não esperava o que ocorreu. Petra Costa já
era uma documentarista renomada em seu meio e não tinha histórico de filmes
político-partidários.
Não é
possível absolver o PT
Por outro lado, o
argumento do filme se encaixa num debate importante sobre a erosão das
democracias por dentro. Em sintonia com o que ocorre no mundo, o assunto
central permitia a comercialização internacional do documentário. E este é o
principal problema da obra.
Ninguém duvida que a
democracia vem perdendo feio em diversos países, da Venezuela à Hungria. No
Brasil, assistimos a uma deterioração institucional nos últimos anos. Mas será
que é possível gerar reflexões absolvendo o PT?
Se o leitor é conservador
ou liberal, deve concordar que o petismo foi crucial na deterioração da nossa
democracia. Se você está à esquerda do espectro político e não tolera o
bolsonarismo, deveria compreender que Bolsonaro foi viabilizado pelos 14 anos
de governo petista. O PT é o culpado que, através de um documentário, tenta se
colocar no papel de juiz.
Enquanto diz que o
documentário de Petra representa “a verdade”, Lula também afirma que o PT não
precisa fazer qualquer autocrítica. Documentos internos do partido defendem que
o grande erro dos seus governos foi indicar não-alinhados para o STF. Logo
depois de comemorar a indicação do documentário ao Oscar, Gleisi Hoffman
publicou um tuíte a favor da ditadura venezuelana.
Ao passar pano para seu
partido predileto, a documentarista Petra Costa não contribui para a contenção
de danos na nossa democracia. Pelo contrário, ela integra o grupo de
responsáveis pela vertigem vigente. Enquanto o PT negar seus erros, nossas instituições
continuarão dando pinta de que podem cair a qualquer momento.
Pedro Menezes