O golpe parlamentar de
Nicolás Maduro
Desde que, em 2015, a
população venezuelana deu à oposição a maioria no Legislativo do país, a
Assembleia Nacional, o ditador Nicolás Maduro tem feito de tudo para reduzir o
poder da única instituição do país que não estava aparelhada pelo
bolivarianismo nem se curvava às vontades de Maduro. Primeiro, usou a Justiça
Eleitoral para impugnar a eleição de alguns deputados, de forma que a oposição
não tivesse uma supermaioria capaz de alterar a Constituição. No início de
2017, foi a vez de o Tribunal Supremo de Justiça levar a cabo um autogolpe,
retirando os poderes da Assembleia Nacional, em iniciativa tão absurda que foi
criticada até mesmo dentro do chavismo e acabou revertida. Também naquele ano,
Maduro resolveu convocar uma Assembleia Nacional Constituinte – de forma ilegal,
pois não tinha havido consulta popular a respeito do tema. Este órgão, dominado
pelos socialistas e que tomou para si poderes legislativos, continua em
funcionamento.
Mesmo assim, Maduro jamais
desistiu de retomar o controle sobre a Assembleia Nacional, especialmente
depois que, no início de 2019, o presidente do Legislativo, deputado Juan
Guaidó, se proclamou presidente interino do país após Maduro vencer uma eleição
fraudulenta e que não foi reconhecida por boa parte da comunidade
internacional. Como é justamente o fato de comandar o Legislativo que concede
legitimidade a Guaidó para assumir interinamente a presidência da Venezuela,
bastaria aos bolivarianos removê-lo desta posição para que ele não pudesse mais
fazer tal reivindicação. E foi isso que Maduro tentou fazer nos primeiros dias
de 2020.
Guaidó é o presidente
legítimo da Venezuela, com amplo respaldo internacional e o apoio de boa parte
do povo, mas é Maduro quem ainda detém o poder de fato
Quando a Assembleia
Nacional se reuniu para eleger uma nova mesa diretora, no último dia 5, a
polícia de Maduro cercou o prédio e impediu a entrada de oposicionistas. Em uma
sessão esvaziada e cheia de irregularidades, de acordo com relatos da imprensa
internacional – a votação não foi nominal, e há dúvidas até mesmo sobre a
existência do quórum mínimo exigido pela lei –, os chavistas e alguns outros
deputados elegeram Luís Parra, aliado de conveniência do ditador apesar de ter
sido eleito pelo Primeiro Justiça, do qual foi expulso. Com o acesso impedido ao
prédio da Assembleia, os parlamentares de oposição realizaram outra sessão, de
acordo com as regras, na sede do jornal El Nacional, e reelegeram Guaidó.
Como era esperado, a
comunidade internacional também rejeitou esta nova manobra de Maduro e respaldou
a sessão realizada pelos oposicionistas, reconhecendo Guaidó como legítimo
presidente da Assembleia Nacional – e, por extensão, presidente interino da
Venezuela. No entanto, desta vez houve uma ausência importante: o Grupo de
Lima, que reúne 15 nações do continente americano, institucionalmente manteve
sua posição em favor de Guaidó e condenou em nota o golpe parlamentar dos
chavistas, mas a Argentina se absteve. Em janeiro de 2019, quando Guaidó se
proclamou presidente interino, o governo de Mauricio Macri o apoiou, mas, com a
volta da esquerda ao poder na Casa Rosada, a orientação da política externa
será mais tolerante com Maduro. Os argentinos, assim, se juntam ao México,
também governado pela esquerda e que já não tinha endossado a declaração de reconhecimento
de Guaidó em 2019.
A tentativa de conquistar
ilegalmente o comando da Assembleia Nacional é a nova batalha na guerra de
Maduro para consolidar o poder total no país. Guaidó é o presidente legítimo da
Venezuela, com amplo respaldo internacional e o apoio de boa parte do povo, mas
é o bolivariano quem ainda detém o poder de fato, dominando as demais
instituições, as Forças Armadas e as milícias paramilitares que amedrontam a
população, além de ter a seu lado algumas potências como a Rússia e a China,
cujos interesses comerciais no país dependem da permanência do ditador. As
negociações mediadas pela Noruega falharam, prolongando um impasse em que
Maduro não hesita em continuar vitimando os venezuelanos com a fome e a
violência generalizadas.
Gazeta do Povo – 08.12.2020