O intrépido jornalista que iria derrubar Moro
apenas fez
o leitor de bobo
Você se lembra das “gravações” que iriam destruir, como
na explosão da usina de Chernobyl, o ministro Sergio Moro, a Operação Lava Jato
inteira e quem mais estivesse envolvido na guerra contra a corrupção aberta na
13ª Vara Criminal Federal de Curitiba? Foi, segundo nove entre dez dos nossos
grandes formadores de opinião, um dos maiores fatos jamais ocorridos na
História do Brasil – em 2019 ou em qualquer ano depois de 1500.
Pelo que se disse, um intrépido jornalista
“investigativo” americano teria descoberto que estava tudo errado nos processos
judiciais que levaram o ex-presidente Lula para a cadeia – Lula e quase 400
outros magnatas da política e do empresariado nacional, punidos com as mais
variadas penas pela prática obsessiva de corrupção durante os governos
populares do PT.
Durante dias e semanas, sem quase nenhum descanso, a
mídia divulgou o conteúdo de gravações roubadas de conversas entre Moro e o
procurador Deltan Dallagnol. Elas provariam, além de qualquer dúvida, que o
juiz estava ajudando ilegalmente o acusador nas suas denúncias contra os réus.
Não pode. Não vale. Anula tudo. A lei tem de ser respeitada, acima de tudo, de
todos, do Brasil e de Deus.
Editoriais horrorizados condenaram Moro e o procurador,
os mais altos “meios jurídicos” manifestaram a sua indignação contra os
“métodos” do combate a corrupção, e por aí afora. Chegou-se, num momento de
descontrole já avançado, a exigir a “punição de Moro” e atribuir a ele nada
menos do que a prática de crimes. Sua demissão do Ministério da Justiça foi
dada por toda a mídia como uma questão de dias ou mesmo de horas – e isso seria
o mínimo. Moro, segundo a maioria dos “especialistas”, poderia ser, logo em
seguida à sua demissão, processado, condenado e preso pelos delitos que,
segundo as “gravações”, teria cometido contra Lula e seus parceiros.
Você se lembra do que aconteceu, na vida real, depois de
todas essas revelações sensacionais? Não aconteceu nada. O mundo teria de vir
abaixo, mas não veio. Na verdade, a história toda acabou tendo o fim miserável
que se poderia prever desde o início – caso houvesse o pequeno cuidado de ouvir
o que tinha sido realmente dito nas tais gravações. Mas as autoridades
judiciárias acima de Moro, todas as que foram acionadas, ouviram, com mais
atenção que uma equipe de VAR. O resultado é que não se achou um único e
escasso ato ilegal em nada daquilo.
Ao fim e ao cabo, a única coisa que ficou provada sem
nenhuma sombra de dúvida em toda essa história foi que as fitas tinham sido
obtidas através da prática de crime. Os criminosos que as forneceram ao
jornalista foram presos. Eram hackers do interior de São Paulo com um extenso
prontuário de fraudes por via eletrônica, do estelionato ao furto de conversas
pessoais. Já houve até a proverbial “delação premiada”. Fim de história.
Moro, como todo mundo sabe, continua ministro da Justiça.
Nenhum dos seus atos na Lava Jato foi anulado. Nem a facção pró-crime do STF
conseguiu dar algum uso às fitas roubadas. O promotor Dallagnol está onde
sempre esteve. O jornalista investigativo, enfim, voltou melancolicamente ao
anonimato. Recebeu homenagens, “desagravos” e um tapa na cara depois de ter
ofendido repetidamente um jornalista durante um programa de rádio – mas ficou
por aí mesmo. Tentaram fazer com que ele virasse herói. Não deu.
Sobra o leitor. É chato dizer, mas para ele ficou
reservado apenas o papel de bobo nessa história toda.
J. R. Guzzo