A voracidade partidária
não poupa
saúde, educação e
infraestrutura
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Deputado Domingos Neto - PSD-CE |
Mais uma vez, partidos e
parlamentares deixaram diferenças ideológicas de lado em torno de uma causa
comum – e própria: o sonho de abocanhar R$ 3,8 bilhões do contribuinte
brasileiro e usar todo esse dinheiro nas eleições municipais do ano que vem. Um
grupo de 13 partidos, do Centrão, da direita e da esquerda, pediu o aumento do
fundo eleitoral para R$ 4 bilhões; o presidente Jair Bolsonaro havia vetado o
trecho da minirreforma eleitoral que permitiria a elevação do valor do fundo,
mas o Congresso derrubou o veto, deixando aberta a porta para o aumento. A
quantia prevista inicialmente pelo governo era de R$ 2 bilhões, mas o relatório
preliminar do deputado Domingos Neto (PSD-CE) contemplou a fome dos partidos e
foi aprovado em votação simbólica na Comissão Mista de Orçamento.
Para subir o valor
destinado aos partidos, o relator não teve o menor pudor em retirar recursos de
várias áreas, incluindo três delas que são vitais para o país, “cortando dos
recursos das emendas de bancada”, afirmou. A saúde deixaria de contar com R$
500 milhões, incluindo R$ 70 milhões do Farmácia Popular. A infraestrutura
perderia R$ 380 milhões, parte deles destinados ao saneamento básico e ao Minha
Casa, Minha Vida. A educação ficaria sem R$ 280 milhões. Ainda assim, o
presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ; seu partido foi um dos signatários
do pedido pelo aumento do fundo), diz esperar que a sociedade “compreenda” esse
remanejamento de recursos para bancar campanhas eleitorais.
Partidos políticos devem ser
financiados
única e
exclusivamente
com os recursos vindos de seus
filiados ou oferecidos voluntariamente
por quem neles acredita
Maia afirmou que “nas
democracias, as eleições precisam ser financiadas, e o financiamento privado
está vedado. É preciso construir no financiamento público”. De fato, disputar
eleições tem seu custo. Mas, ao contrário do que diz o deputado, o
financiamento privado não está nem de longe vedado – o que está proibido são
apenas as doações de pessoas jurídicas. Nada impede os cidadãos de doarem
recursos para os candidatos e partidos de sua preferência; a dificuldade, aqui,
é meramente cultural, já que este tipo de contribuição não é um hábito do
brasileiro. O financiamento público defendido por Maia é nada mais que um
acinte, que força o cidadão a bancar, indiretamente, pessoas, partidos e
plataformas com as quais não concorda, e que pode até mesmo rejeitar
visceralmente, enquanto retira dinheiro de outras áreas e serviços. Partidos
políticos devem ser financiados única e exclusivamente com os recursos vindos
de seus filiados ou oferecidos voluntariamente por quem neles acredita.
Também não faz sentido
outro argumento utilizado pelos defensores da ampliação do fundo, o de que
eleições para prefeitos e vereadores têm muito mais candidatos. Numericamente,
isto é um fato: segundo dados da Justiça Eleitoral, em 2018 houve 26.085
candidatos a presidente da República, vice-presidente, governador,
vice-governador, senador, suplente de senador, deputado federal, deputado
estadual e deputado distrital. Em 2016, os candidatos a prefeito, vice e
vereadores foram 469.165 – ou seja, 18 vezes mais candidatos. No entanto,
campanhas municipais são infinitamente mais baratas que campanhas estaduais ou
nacionais. Ninguém precisa sair dos confins do próprio município à busca de
votos, e a maioria das cidades nem tem horário eleitoral na televisão. Além
disso, as eleições de 2018 mostraram que é possível conduzir campanhas
bem-sucedidas sem usar um centavo de fundos públicos.
O texto definitivo de
Domingos Neto deve passar por mais uma votação em comissão e, em 17 de
dezembro, será votado pelo plenário do Congresso. Com o apoio formal de
legendas que, somadas, correspondem a 80% dos parlamentares, é praticamente
impossível que o Congresso desista de tamanho absurdo, deixando para o
presidente Jair Bolsonaro – ele mesmo um caso de campanha vitoriosa sem uso do
fundo eleitoral – a responsabilidade de frear o que já seria um abuso
inaceitável em tempos de prosperidade, mas que se torna ainda mais grave pelo
momento complicado que o país vive na economia.
Gazeta do Povo – 07.12.20129