O “direito de defesa” e o
sonho secreto da OAB
É muito pouco provável que
alguém diga em público, ou mesmo em privado, que a maior parte de toda essa
discussão incendiária sobre o “direito de defesa” não tem nada a ver, não no
mundo das coisas reais, com qualquer princípio de ciência jurídica. Tem tudo a
ver, isso sim, com política e com ideologia. “Garantistas”, advogados
criminais, a OAB, juristas variados e mais um monte de gente fazem um barulho
de arquibancada dizendo que o debate atual sobre a questão envolve a própria
alma do Direito.
O bate-boca chega, agora,
a um dos seus momentos decisivos – com a decisão do Supremo Tribunal Federal
sobre se a Justiça pode ou não pode mandar para a cadeia um criminoso condenado
em segunda instância, ou seja, por um juiz e em seguida por um conjunto de
juízes que estão acima dele.
Essa história da
"segunda instância", mais a multiplicação das ferramentas legais para
proteger os autores de crimes, os privilégios em favor de condenados e a
ideia-mãe da “progressão na pena” fazem parte, no fundo, do mesmo esforço. É a
tentativa de transformar a impunidade para o crime num instrumento de
“resistência” à sociedade “capitalista”, “fascista” e por aí afora.
Naturalmente, a maioria
dos campeões do “direito de defesa” está pouco ligando para o fim ou o começo
do regime capitalista – pensam, isso sim, na defesa dos seus interesses
materiais. Mas a ideia de que estão lidando com conceitos de Justiça é pura
empulhação.
A palavra “alguém” escrita
na primeira linha quer dizer, é claro, o povo graúdo, com acesso à mídia e
procurado para falar em mesas redondas na televisão. Mas fora desse mundinho
existe gente capaz de dizer as coisas como elas são. A respeito do tema da
impunidade real, o advogado Pedro Machado lembrou recentemente num texto para a
internet que o conceito da “progressão da pena”, por exemplo, não saiu da
cabeça de nenhum jurista. Foi criado por um intelectual francês de esquerda,
Michel Foucault, desses que se multiplicam como coelhos dentro das universidades,
e que se apresentam como “filósofos”, “teóricos sociais” ou especialistas em
“sistemas de pensamento”.
Esse Foucault, entre
outros inventos, desenvolveu uma teria segundo a qual a polícia, o aparelho
judicial e o sistema penitenciário são ferramentas da burguesia para oprimir o
proletariado. Conclusão: é preciso sabotar ao máximo a ação de todo esse
“aparelho repressivo” para dar um gás às “lutas populares”. Soltando bandidos,
por exemplo, ou forçando para que fiquem o mínimo possível de tempo na cadeia.
Na própria França,
obviamente, não passou pela cabeça de ninguém adotar o sistema de “progressão a
pena” e seus cálculos sem pé nem cabeça – na França e, praticamente, em nenhum
país sério. No Brasil, em compensação, as invenções de Foucault fizeram um
sucesso espetacular. Foram enriquecidas, inclusive, pela “saidinha” nos Dias
dos Pais e das Mães, mesmo para quem mata pai, mãe e filha, a “visita íntima”,
as “férias” de Natal e Ano Novo, etc.
Resumo da ópera: o cidadão
pode ouvir, inclusive em latim, as hermenêuticas e propedêuticas dos ministros
Celso de Mello, Rosa Weber e gente parecida, mas é tudo dinheiro falso. O que
vale, como doutrina, são as divagações sobre o Estado burguês. E, como questão
prática, o possível sonho secreto da OAB. Ela gostaria muito que o STF
resolvesse de uma vez por todas os problemas da Justiça brasileira decretando
que a prisão de um condenado só pode ocorrer quando ele não tiver mais dinheiro
para pagar os seus advogados.
J.R.Guzzo Começou sua carreira como repórter em 1961, na Última
Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976, período em que a circulação da revista passou de 175.000 exemplares semanais para mais de 900.000. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame.
Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976, período em que a circulação da revista passou de 175.000 exemplares semanais para mais de 900.000. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame.