Cartão de Temer pagou
“boca livre” para 200
convidados e até caixas de
papelão da mudança
Os maiores gastos do
presidente Michel Temer com cartão corporativo nas residências oficiais, feitos
sob sigilo, cobriram almoços e jantares no Palácio da Alvorada para 200
convidados, além de bebidas e comidas sofisticadas para a residência oficial do
então chefe da nação. O vinho argentino Zapata, a R$ 270 a garrafa, estava
entre os preferidos. Os jantares buscavam apoio à aprovação da reforma da
Previdência e à rejeição da abertura de processos criminais contra o
presidente.
Em 12 de setembro de 2017,
Temer “ofereceu” evento no Alvorada para 200 convidados, como registram os
arquivos da Presidência da República relativos a despesas com cartão
corporativo, abertos agora e analisados pelo blog com exclusividade. Foram
servidos dois pratos principais – salmão grelhado ao Mediterrâneo e rolê de
filé mignon recheado com cogumelos ao vinho do Porto. Quem pagou tudo foi o
contribuinte.
Duas denúncias da
Procuradoria-Geral da República contra Temer tiveram como base a gravação em
que o dono da JBS, Joesley Batista, conversava com o presidente no Palácio do
Jaburu sobre possíveis favores ao empresário e a suposta ajuda concedida ao
ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. A primeira, por corrupção
passiva, foi arquivada pela Câmara em agosto de 2017. A segunda, por obstrução
à Justiça e organização criminosa, caiu em outubro daquele ano. Ambas foram rejeitas
pela Câmara dos Deputados.
Mas os jantares
continuaram durante todo o governo Temer. Em novembro de 2018, já perto do
final do mandato, foi feita compra emergencial com cartão de crédito para
almoço oferecido pelo presidente para 105 convidados e mais 20 pessoas de
apoio. O prato principal foi bacalhau à Gomes de Sá, com nhoque de batata ao
sugo com tofú. Foram servidos vinhos branco e tinto. Apenas as comidas saíram
por R$ 11,5 mil, como mostram as notas fiscais.
Vinhos finos e lagosta sem
cabeça no cardápio
A despensa do Palácio do
Jarubu, onde Temer morava com a família, era abastecida constantemente. Em
agosto de 2017 foram comprados quase dois quilos de lagosta sem cabeça a R$ 180
o quilo. No mês seguinte foram adquiridos 3,3 quilos de carrê de cordeiro na
JHS Carnes, por R$ 160 o quilo. E teve aniversário. Na Pop Festas, foram
encomendados um bolo e mais 400 unidades de brigadeiros, cajuzinho, quindim e
camafeu. Barras de chocolate e sorvete eram adquiridos todos os meses.
Em agosto de 2018, houve a
compra de 22 quilos de filé de robalo, por R$ 94 o quilo; e 2 quilos de camarão
rosa eviscerado, a R$ 200 o quilo. Na Saborella Sorvetes Finos, foram comprados
2 quilos de sorvete por R$ 120 a unidade.
Em setembro, a
administração do Jaburu solicitou a aquisição de bebidas para “repor a adega”
do presidente. Compraram 4 vinhos argentinos Zapata, por R$ 270 a unidade. Em
novembro, foram mais 4 garrafas do mesmo vinho, além de 3 garrafas de Jonnie
Walker Black, por R$ 170 cada um. O consumo de bebidas era bem menor do que no
governo Lula, é verdade.
Em novembro daquele ano,
um reforço na despensa do Jaburu, com 8 quilos de bacalhau dessalgado (R$ 123 o
quilo) e 8 quilos de filé de robalo (R$ 90), além de outros peixes – tudo por
R$ 4,8 mil. Na Ueda Pescados, compraram mais 6,5 quilos de camarão rosa a R$
199 o quilo.
No último mês de governo,
mais eventos no Alvorada. No dia 5, em almoço para 25 autoridades, foi servido
mignon à Wellington, com risoto de alho poró com raspas de siciliano e legumes
salteados. No dia 10, jantar para 30 autoridades. Foram servidos filé mignon ao
vinho do Porto e pescada amarela.
Nada escapa ao cartão
corporativo de Temer
O presidente da República,
além do salário de R$ 30,9 mil, tem todas as despesas cobertas com recursos
públicos. Conta com residência oficial – no caso, um palácio –, carro oficial,
transporte aéreo, seguranças para ele e para a família, empregados domésticos,
alimentação, bebidas, enfim, tudo.
Eles poderiam pagar
despesas particulares, mas nem isso fazem. Em 6 de dezembro, foi comprada uma
necessaire por R$ 100 para “suprir necessidades do presidente em aeronaves”. A
administração do Jaburu também comprou duas árvores de Natal para enfeitar o
palácio. Até na hora de deixar o poder aparecem despesas. O presidente não
pagou nem as caixas de papelão para embalar a mudança.
Os gastos para atender às
necessidades do presidente da República e da sua família, feitos com cartões
corporativos, são classificados como reservados e ficam sob sigilo até o final
do mandato. Assim, as compras feitas nos governos Lula, Dilma e Temer não estão
mais sob sigilo. O blog solicitou, em 7 de agosto, por meio da Lei de Acesso à
Informação, a abertura desses arquivos.
Após um mês de análise do
processo, o blog foi autorizado a abrir os arquivos, em meio físico, e fazer
pesquisas presenciais no Palácio do Planalto. Os dados relativos ao presidente
Jair Bolsonaro estarão abertos a partir de 2023. Até julho, as despesas da
Secretaria de Administração da Presidência da República com o presidente, o
vice-presidente e seus familiares já ultrapassava os R$ 3 milhões, tudo sob
sigilo.
Lúcio Vaz
Lúcio Vaz é jornalista e
cobre a política em Brasília há 30 anos, revelando mordomias, privilégios,
supersalários, desvios de recursos públicos e negociatas nos três poderes.