Reforma e justiça
tributária
Assim que a Câmara dos
Deputados terminar sua parte na aprovação da reforma da Previdência, já tem
outro projeto de enorme potencial em suas mãos para o segundo semestre: a
reforma tributária. Qualquer ranking sobre a facilidade de se fazer negócios no
Brasil mostra que a simplificação dos tributos é urgente, e quanto a isso o
Congresso parece estar em consenso. O que não se sabe, por enquanto, é qual das
diferentes propostas de reforma deve prevalecer.
A Câmara dos Deputados já
tinha uma proposta consolidada, a PEC 293/04, aprovada em comissão especial no
fim do ano passado e que unificava dez impostos. Em vez de seguir com ela, os
parlamentares a abandonaram e iniciaram a tramitação de outra PEC, a 45/2009,
cujo mentor é o economista Bernard Appy, do Centro de Cidadania Fiscal, e que
reúne cinco impostos. Ao fazer isso, no entanto, os deputados colocaram para
escanteio o governo federal, que já tinha manifestado intenção de enviar um
projeto próprio, mas decidiu esperar pela tramitação da reforma da Previdência.
O secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, é antigo entusiasta de um
“imposto único” sobre movimentações financeiras, mas por enquanto a
probabilidade maior é de que o projeto do governo também se concentre na
unificação de tributos federais. A tarefa de propor a antiga plataforma de
Cintra coube a um grupo de empresários, que desejam substituir todos os
impostos – federais, estaduais e municipais – por um único tributo a ser
cobrado sobre todas as movimentações financeiras, como na extinta CPMF. E a
própria PEC 293 pode retornar, desta vez pelas mãos do Senado, de acordo com o
presidente da casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
A unificação de impostos é
necessária, mas não resolve uma distorção profunda: a ênfase nos impostos sobre
produção e consumo, em vez da tributação sobre patrimônio e renda
O deputado Baleia Rossi
(MDB-SP), que assina a PEC 45/2019, tem adotado postura conciliadora e não
descarta a possibilidade de que seu texto acabe incorporando ideias vindas da
equipe econômica do governo – decisão que, no fim das contas, caberá ao
deputado que for escolhido como relator da matéria na comissão especial da
Câmara, que já foi criada, mas não teve membros indicados. O resultado final
desta confluência de ideias às vezes divergentes sobre o sistema tributário nos
dirá se o Congresso vai votar uma grande e necessária simplificação de
impostos, ou se irá além e promoverá uma reforma realmente digna do nome, atacando
na raiz alguns males que afligem o país há muitas décadas.
Um deles, mais imediato,
diz respeito à distribuição do bolo tributário entre União, estados e
municípios. Este tema aparecerá na tramitação da reforma porque a unificação
proposta por Appy inclui o ICMS, estadual, e o IPI, municipal. Ao diminuir a
autonomia de estados e municípios, que só verão o dinheiro desse novo imposto
via redistribuição por parte da União, é possível que prefeitos e governadores
se oponham à proposta. Deveríamos estar discutindo meios de aumentar o bolo dos
impostos destinado aos entes subnacionais, cada vez mais sobrecarregados em
termos de atribuições; em vez disso, a única proposta concreta feita até agora
tira poder de estados e municípios e cria toda uma nova burocracia responsável
por calcular repasses.
Além disso, a unificação
de tributos não resolve uma distorção profunda do sistema tributário
brasileiro: a ênfase nos impostos sobre produção e consumo, em vez da
tributação sobre patrimônio e renda. Isso vai na contramão da chamada “justiça
tributária”, em que paga mais quem tem mais, e a explicação é simples: ao
comprar determinado produto, tanto o pobre quanto o rico pagam a mesma quantia
em impostos, mas esse valor faz muito mais falta ao pobre que ao rico. Quando a
maioria da arrecadação vem desse tipo de imposto (caso do IPI, do ICMS ou do
ISS), o pobre acaba pagando muito mais impostos que o rico, em termos de
proporção de sua renda. Caso a tributação incidisse muito mais sobre o
patrimônio e a renda, em vez da produção e do consumo, a arrecadação seria mais
proporcional à riqueza de cada um, ao mesmo tempo em que os preços de produtos
e serviços baixariam, beneficiando todos os consumidores, especialmente os mais
pobres.
Claro que, se apenas
promover a simplificação e a unificação de impostos, o Congresso já estará
fazendo um grande favor ao país. Mas, havendo a oportunidade de resolver alguns
problemas estruturais da tributação no Brasil, não há por que fugir do debate.
O fato de todos reconhecerem a necessidade de uma reforma tributária é uma
vantagem, pois poupa o país de discussões inúteis que só levam a desperdício de
tempo, como no caso de quem nega o déficit da Previdência. Que a ocasião seja,
então, aproveitada para discutir com profundidade os méritos de cada proposta,
fazendo emergir um sistema simples, economicamente e socialmente justo.
Gazeta do Povo – 10.07.2019