O inquérito das fake news
nas mãos do plenário do STF
Está nas mãos do
presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, a possibilidade de marcar
a data para que o plenário da corte enterre de vez uma aberração criada pelo
próprio Toffoli: o inquérito ilegal e abusivo instaurado dentro do âmbito do
STF para apurar supostas fake news. O instrumento já foi usado para retirar do
ar conteúdos publicados pela revista Crusoé e pelo portal O Antagonista, há um
mês, além de motivar ações de busca e apreensão nos endereços de pessoas que
criticaram membros da corte pelas mídias sociais. Se o arbítrio cometido contra
as duas publicações foi revogado em poucos dias, o inquérito que lhe deu origem
continua a existir, com relatoria do ministro Alexandre de Moraes – e, pior
ainda, tramitando sob sigilo. A Rede Sustentabilidade recorreu ao Supremo para
derrubar o inquérito; o relator do pedido, ministro Edson Fachin, decidiu que a
análise do caso cabe ao plenário da corte e pediu que Toffoli marque uma data para
o julgamento.
Do ponto de vista
jurídico-processual, não haveria impedimento nenhum para que Fachin suspendesse
liminarmente o inquérito
Fachin, é bem verdade,
teria bons motivos se quisesse, monocraticamente, suspender o inquérito de
forma liminar até que o plenário decidisse de forma definitiva o destino das
investigações. O inquérito é uma monstruosidade jurídica em que o Supremo
assumiu o papel de vítima, investigador e julgador. As investigações foram
iniciadas sem que tivesse havido provocação do Ministério Público Federal ou de
autoridade policial – o MPF, aliás, por manifestação da procuradora-geral da
República, Raquel Dodge, pediu o arquivamento do inquérito, fazendo diversas
críticas ao procedimento de Dias Toffoli. O pedido, no entanto, foi
simplesmente ignorado por Alexandre de Moraes, escolhido relator do inquérito
pelo presidente do STF, e não pelo tradicional sistema de sorteio eletrônico
entre os membros da corte. Para completar, o inquérito foi instaurado sem que
houvesse um fato específico a motivá-lo, o que também viola a ordem legal; e,
sem que ninguém fosse formalmente acusado, nem haveria como determinar se o STF
seria realmente o foro adequado para julgar os eventuais acusados.
Se do ponto de vista
jurídico-processual não haveria impedimento nenhum para que Fachin suspendesse
liminarmente o inquérito, por outro lado pode-se argumentar que remeter o caso
diretamente ao plenário é uma forma prudente de lidar com a situação. Haveria,
por exemplo, a possibilidade de Toffoli aprofundar a crise causada por ele
mesmo caso decidisse reverter, também monocraticamente, a decisão do colega,
como tem ocorrido em outras ocasiões envolvendo assuntos diversos.
Evidentemente, se fizesse algo assim, insistindo na manutenção das
investigações, o presidente do Supremo deixaria ainda mais clara sua posição em
favor do abuso, mas a esta altura é de se questionar se ele ainda teria algo a
perder agindo desta forma.
Nossas convicções:
Liberdade de expressão
O mínimo que o presidente
da corte pode fazer, agora, é marcar rapidamente uma data – e o quanto antes,
melhor – para que os 11 ministros deixem muito claro se estão do lado da
arbitrariedade ou do respeito às liberdades democráticas, ao devido processo
legal, ao direito à crítica e à liberdade de crônica, especialmente agredida no
caso da punição imposta à Crusoé e a O Antagonista. Eventuais crimes cometidos
contra ministros do Supremo – aí incluídos os crimes contra a honra – podem e
devem ser apurados, mas sempre dentro do marco legal, e jamais por meio de um
inquérito criado de forma intencionalmente ampla e nada específica, para poder
abarcar até mesmo críticas amparadas por direitos garantidos
constitucionalmente.
Como já lembramos neste
espaço, se o STF se transformou em alvo de fortes críticas da sociedade civil –
algumas das quais podem até ser exageradas ou infundadas, como também
reconhecemos, mas legítimas em um país democrático –, isso ocorre porque há
ministros que insistem em ignorar seu papel dentro do sistema republicano, seja
arvorando-se constantemente em legisladores, seja arrogando-se prerrogativas ou
“falsos direitos” que os colocam acima dos demais cidadãos naquilo em que a
Constituição nos iguala a todos. A perseguição criada por Toffoli e conduzida
por Moraes no inquérito das fake news é uma reação que apenas dá mais
argumentos aos críticos do Supremo. Um absurdo a que os demais membros da corte
precisam dar fim.
Editorial – 16/05/2019
Gazeta do Povo