As lições da
derrota
Rodrigo Maia
conversa com o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE):
MP pode caducar por
falta de tempo para apreciação.
Foto: Agência Brasil
O dia
hoje (9) foi agitado para uma quinta-feira nos padrões do Congresso Nacional.
Pela manhã, a Comissão Mista que aprecia a Medida Provisória (MP) 870/2019, que
alterou a estrutura da administração federal, imprimiu uma derrota ao ministro
da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, aos setores que apoiam o combate à
corrupção e, na verdade, a toda a sociedade brasileira. No afã de tentar
reverter o resultado, porém, parlamentares que apoiam os esforços anticorrupção
e a própria base do governo – formalmente, apenas o PSL, partido do presidente
– acabaram colocando em risco a conversão da MP em lei e pondo em evidência,
mais uma vez, a falta de articulação no parlamento.
A MP 870 é
responsável pela reforma ministerial do início do novo governo e, para se
tornar definitiva, depende de ser transformada em lei, porque a medida perde
eficácia no início de junho. O principal ponto que o bloco da maioria na Câmara
– agrupamento informal que reúne PP, PR, PRB, SD, DEM, MDB e PTB – vem tentando
reverter é a transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras
(Coaf )para o ministério da Justiça. O relator da MP, senador Fernando Bezerra
(MDB-PE), acatou a posição do governo, mas resolveu inserir no texto uma emenda
para restringir as competências investigatórias da Receita Federal, o que
acendeu o alerta do Ministério Público Federal (MPF) e outros setores que se empenham
no combate à corrupção.
Para não
perder os dedos, o governo ofereceu os anéis e concordou em dividir o atual
ministério do Desenvolvimento Regional, recriando os ministérios das Cidades e
da Integração Nacional. Não deu certo: na Comissão, o centrão aprovou a
recriação, mas tirou o Coaf de Moro, mandando-o de volta para a Economia, e
aprovou a emenda limitando os poderes da Receita, além de ainda ter mandado a
Funai de volta para o ministério da Justiça e devolvido à autarquia a
competência de demarcar terras indígenas, que estava com a Agricultura desde
janeiro.
O movimento
do bloco da maioria foi além de simplesmente mandar um recado ao governo.
Trata-se claramente de uma retaliação a Moro, que foi figura central, enquanto
juiz, na luta contra a corrupção e de minar, pouco a pouco, o arcabouço
institucional que permite as investigações complexas que sempre foram o centro
dos esforços da Operação Lava Jato. Os deputados do centrão e os setores não
comprometidos com a moralização do espaço público brasileiro parecem não ter
entendido o recado das urnas e continuam fora de sintonia com o projeto de país
que maioria da população brasileira quer construir. A atuação do bloco hoje
deixa claro que a sociedade deverá estar atenta a outras manobras dessa
natureza.
No entanto,
não é possível desculpar o governo pelo saldo desta quinta-feira. Quando ficou
claro o resultado da votação na Comissão, o ministro da Casa Civil, Onyx
Lorenzoni (DEM-RS), passou a defender o texto, mesmo com todas as mudanças,
como o texto possível, e que preservava “95%” das mudanças que o governo por
meio da MP. Ciente de que outro resultado não seria possível, porque o clima no
plenário – especialmente na Câmara – é ainda mais desfavorável que na comissão,
o governo deu sinal verde e, com a ajuda de Rodrigo Maia (DEM-RJ), chegou a um
acordo de líderes, inclusive com a oposição, para que a MP fosse votada em
plenário ainda nesta quinta-feira. Havia inclusive a possibilidade de que a
votação acontecesse também no plenário do Senado, afastando de vez o perigo de
que a MP perca a eficácia sem que tenha sido transformada em lei.
Mesmo assim,
deputados do PSL, do Novo e de partidos derrotados na comissão – como Podemos
(Pode) e Cidadania (CD) – não quiseram fazer parte do acordo e agiram para
contorná-lo, com base no regimento da Câmara. Perdido o consenso, Maia teve de
ceder e atendeu a um requerimento do deputado Diego Garcia (Pode-PR) para que
outras MPs com preferência fossem votadas antes da de número 870, abrindo a
possibilidade, já que a oposição promete obstrução, de isso não ser possível
antes de junho. Entende-se que muitos deputados – corretamente – se oponham ao
texto que saiu da comissão, e que muitos novatos ainda não consigam enxergar
tudo que está em jogo, mas fato é que a perspectiva em plenário é ainda menos
animadora e que o governo não foi capaz sequer de alinhar o próprio PSL, que
desrespeitou as ordens de Onyx no começo da tarde. Na prática, a falta de
liderança e de articulação transformou quatro derrotas e várias vitórias na
possibilidade de uma derrota completa.
A situação é
difícil e faz antecipar possíveis novas derrotas, que podem ser ainda piores em
matérias de repercussão mais grave. O que é fundamental é que pelo menos haja
um aprendizado – e rápido. Era até de se esperar que houvesse alguma lentidão
nisso, especialmente tendo em vista a renovação do sistema político nas últimas
eleições, mas há um limite além do qual isso pode colocar em xeque todo o
governo. Que a derrota fragorosa do dia de hoje sirva de lição. Por outro lado,
não é menos verdade que sociedade tem de ficar atenta e encontrar mecanismos
para pressionar os deputados que continuam atuando contra os esforços de
combate à corrupção.
Editorial da
Gazeta do Povo
10/05/2019