Depois de uma profusão de
manifestações equivocadas e até chocantes na política externa, e de começar a
levar o troco, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, já tem uma carta na manga
para virar o jogo: a extradição do terrorista Cesare Battisti. A ideia agrada a
Itália e, por extensão, a toda a Europa. E é mais uma estocada no PT e na
esquerda brasileira, com apoio do eleitorado conservador de Bolsonaro.
A tese tem o apoio do
governo de Michel Temer, professor de Direito Constitucional. Além dele, os
ministérios da Justiça e da Relações Exteriores já acenaram com o apoio à
extradição de Battisti, não por questões de legalidade e diplomacia.
Há um problema: a decisão
depende do Supremo e pode demorar, porque não tem consenso no plenário, quando
os 11 ministros parecem enfim falar a mesma língua, na defesa da democracia,
das instituições e do próprio Supremo.
No governo Lula, tanto o
Itamaraty quanto o Ministério da Justiça, via Comitê Nacional para Refugiados
(Conare), recomendaram a extradição de Battisti, condenado à prisão perpétua no
seu país por quatro assassinatos quando integrava um movimento terrorista e
refugiado no Brasil desde 2004.
O então ministro da
Justiça, Tarso Genro, do PT, mexeu mundos e fundos, mudou a posição do Conare,
desconsiderou a do Itamaraty, convenceu Lula e manteve Battisti no Brasil, como
“preso político”, não um assassino julgado pela Justiça italiana.
Na Itália, mobilizou
Justiça, polícia, governo, parlamento e opinião pública. No Brasil, virou
debate nacional e foi parar no Supremo, que chegou a uma decisão salomônica:
autorizou a extradição de Battisti, mas delegando ao presidente Lula a decisão
final.
No apagar das luzes do seu
governo, Lula concedeu o refúgio ao italiano, deixando críticas no meio
jurídico, sequelas na relação com a Itália e uma nuvem de incertezas sobre
próprio Battisti, agora casado, pai e com ocupação regular.
A Itália retaliou com
luvas de pelica, quando o ex-diretor do BB Henrique Pizzolato fugiu para o país
após condenado no mensalão e acabou preso. Pela reciprocidade, refúgio de
Battisti no Brasil seria igual a refúgio de Pizzolato na Itália, e seus
advogados alegavam que as prisões brasileiras eram medievais (o que não é de
todo mentira) e ele acabaria morto (improvável).
Em vez da reciprocidade
fria e pragmática, a Itália cumpriu todos os trâmites legais e extraditou
Pizzolato para o Brasil, onde ele cumpriu pena, saiu vivinho da Silva da cadeia
em 2017 e volta à tona como argumento a favor de devolver Battisti para Roma.
Sabe-se lá como os
ministros do Supremo votarão. O argumento contra a extradição é que a decisão
de Lula foi um “ato de soberania nacional” e não pode ser revista pela corte. O
argumento a favor é que, se o STF delegou a Lula a decisão final, por que não
delegaria agora para Temer, até 31 de dezembro, ou para Bolsonaro, a partir de
então?
O julgamento de Battisti e
seus desdobramentos, qualquer que seja o desfecho, tendem a ocupar a mídia, uma
esquerda em baixa e uma direita em alta. Em vez de falar em sair da ONU e do
Acordo de Paris, dar um chega-pra-lá na China e no Mercosul e mudar a embaixada
para Jerusalém, Bolsonaro poderá badalar suas diferenças com o PT.
A União Europeia, já
satisfeita com o recuo na fusão de Agricultura e Meio Ambiente, abaixaria o tom
e a apreensão com Bolsonaro. No Brasil, os bolsonaristas entrariam em êxtase, a
esquerda faria barulho e o meio jurídico se dividiria. Battisti, portanto, é
candidato a troféu.
Ciro. Ao disputar a
liderança da oposição, Ciro Gomes bate no PT e em Lula com a mesma ênfase com
que, na campanha, atacava o PSDB e FHC para defender... o PT e Lula.
Portal Estadão