domingo, 11 de novembro de 2018

➤Eliane Cantanhêde

Battisti, um troféu


Depois de uma profusão de manifestações equivocadas e até chocantes na política externa, e de começar a levar o troco, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, já tem uma carta na manga para virar o jogo: a extradição do terrorista Cesare Battisti. A ideia agrada a Itália e, por extensão, a toda a Europa. E é mais uma estocada no PT e na esquerda brasileira, com apoio do eleitorado conservador de Bolsonaro.

A tese tem o apoio do governo de Michel Temer, professor de Direito Constitucional. Além dele, os ministérios da Justiça e da Relações Exteriores já acenaram com o apoio à extradição de Battisti, não por questões de legalidade e diplomacia.

Há um problema: a decisão depende do Supremo e pode demorar, porque não tem consenso no plenário, quando os 11 ministros parecem enfim falar a mesma língua, na defesa da democracia, das instituições e do próprio Supremo.

No governo Lula, tanto o Itamaraty quanto o Ministério da Justiça, via Comitê Nacional para Refugiados (Conare), recomendaram a extradição de Battisti, condenado à prisão perpétua no seu país por quatro assassinatos quando integrava um movimento terrorista e refugiado no Brasil desde 2004.

O então ministro da Justiça, Tarso Genro, do PT, mexeu mundos e fundos, mudou a posição do Conare, desconsiderou a do Itamaraty, convenceu Lula e manteve Battisti no Brasil, como “preso político”, não um assassino julgado pela Justiça italiana.

Na Itália, mobilizou Justiça, polícia, governo, parlamento e opinião pública. No Brasil, virou debate nacional e foi parar no Supremo, que chegou a uma decisão salomônica: autorizou a extradição de Battisti, mas delegando ao presidente Lula a decisão final.

No apagar das luzes do seu governo, Lula concedeu o refúgio ao italiano, deixando críticas no meio jurídico, sequelas na relação com a Itália e uma nuvem de incertezas sobre próprio Battisti, agora casado, pai e com ocupação regular.

A Itália retaliou com luvas de pelica, quando o ex-diretor do BB Henrique Pizzolato fugiu para o país após condenado no mensalão e acabou preso. Pela reciprocidade, refúgio de Battisti no Brasil seria igual a refúgio de Pizzolato na Itália, e seus advogados alegavam que as prisões brasileiras eram medievais (o que não é de todo mentira) e ele acabaria morto (improvável). 

Em vez da reciprocidade fria e pragmática, a Itália cumpriu todos os trâmites legais e extraditou Pizzolato para o Brasil, onde ele cumpriu pena, saiu vivinho da Silva da cadeia em 2017 e volta à tona como argumento a favor de devolver Battisti para Roma.

Sabe-se lá como os ministros do Supremo votarão. O argumento contra a extradição é que a decisão de Lula foi um “ato de soberania nacional” e não pode ser revista pela corte. O argumento a favor é que, se o STF delegou a Lula a decisão final, por que não delegaria agora para Temer, até 31 de dezembro, ou para Bolsonaro, a partir de então?

O julgamento de Battisti e seus desdobramentos, qualquer que seja o desfecho, tendem a ocupar a mídia, uma esquerda em baixa e uma direita em alta. Em vez de falar em sair da ONU e do Acordo de Paris, dar um chega-pra-lá na China e no Mercosul e mudar a embaixada para Jerusalém, Bolsonaro poderá badalar suas diferenças com o PT.

A União Europeia, já satisfeita com o recuo na fusão de Agricultura e Meio Ambiente, abaixaria o tom e a apreensão com Bolsonaro. No Brasil, os bolsonaristas entrariam em êxtase, a esquerda faria barulho e o meio jurídico se dividiria. Battisti, portanto, é candidato a troféu.

Ciro. Ao disputar a liderança da oposição, Ciro Gomes bate no PT e em Lula com a mesma ênfase com que, na campanha, atacava o PSDB e FHC para defender... o PT e Lula.

Portal Estadão

➤OPINIÃO

As razões para o veto


Além do descaso com as finanças públicas e da indiferença com a situação dos mais de 12 milhões de desempregados no País, o aumento de 16,38% do salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), aprovado pelo Congresso na quarta-feira passada, fere a Constituição. Há, assim, um motivo técnico cristalino para que o presidente Michel Temer vete o imoral reajuste - os atos do Poder Legislativo devem se submeter aos mandamentos constitucionais.

O art. 169 da Constituição estabelece que “a despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar”. E o § 1.º do mesmo artigo assegura que a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração pelos órgãos da administração direta ou indireta só poderá ser feita se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes e se houver autorização específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2019 não contém nenhuma autorização para o aumento do subsídio dos ministros do STF. Vale lembrar que o reajuste aprovado na quarta-feira passada pelo Congresso altera a remuneração de todos os juízes do País - e isso também não está previsto na LDO de 2019.

Como se não bastasse, o parecer apresentado no Senado sobre o projeto de lei que concedeu o reajuste de 16,38%, de autoria do senador Fernando Bezerra (MDB-PE), também não comprova que o tal aumento respeita o teto de gastos criado pela Emenda Constitucional (EC) 95/2016. Nos estudos constantes do relatório não há nenhuma avaliação sobre o impacto do reajuste no Orçamento de 2019 e dos anos seguintes. O que há são estudos antigos, anteriores à própria EC 95/2016.
Ignorar essa evidente inconstitucionalidade contida no aumento do salário dos ministros do STF seria dar azo a uma ignóbil contradição. O cidadão sustenta, por meio dos impostos, a Suprema Corte. Trata-se de um gasto significativo para que a Constituição seja defendida. Como se sabe, a primordial tarefa do STF é ser o guardião da Constituição. Ora, esse aumento inconstitucional faz com que a própria manutenção do Supremo desrespeite o previsto na Constituição. Não faz nenhum sentido que o cidadão seja obrigado a sustentar de forma ainda mais onerosa um Supremo por força de um reajuste salarial dos ministros concedido à revelia da Constituição.

Professor de Direito Constitucional, o presidente Michel Temer conhece a importância da estrita obediência aos mandamentos da Constituição. Não cabem subterfúgios para burlar parte do texto constitucional, muito especialmente se o tema se refere ao próprio STF, que deve ser modelo irrepreensível de cumprimento da Carta Magna.

Sempre, mas de forma especial nos tempos em que vivemos, o País necessita de um Supremo vigoroso, que cumpra com denodo seu papel de guardião da Constituição. Por isso, é imprescindível preservar a autoridade do STF. Não se pode permitir que os ministros que têm por missão avaliar a constitucionalidade das leis, com impacto sobre toda a população, recebam soldos concedidos à revelia da Carta.

O aumento concedido pelo Congresso foi um descaso com a coisa pública, especialmente pelas circunstâncias envolvidas, nesse final de legislatura. A votação de quarta-feira passada mais pareceu uma desforra após as eleições, como se o final de mandato permitisse um novo grau de deboche com as contas públicas e a crise econômica e social que o País atravessa. É especialmente triste essa situação, que viola o sentido de representação popular existente no mandato parlamentar, precisamente por deixar o cidadão indefeso. Ele já foi às urnas e, de imediato, nada poderá fazer contra o parlamentar que votou contra o interesse público.

No entanto, o que se tem aqui é mais do que mero desrespeito aos interesses do cidadão. Há uma desobediência à Constituição, o que, num Estado Democrático de Direito, é inadmissível. Que o aumento receba o devido veto presidencial - e a Constituição seja cumprida.

Portal Estadão