A liberdade de informação
Tem havido, nos últimos
anos, um grande debate sobre os efeitos políticos e sociais da difusão, por
meio das redes sociais, das fake news. A discussão ganhou intensidade com
a eleição do presidente Donald Trump, em novembro de 2016. No caso, as atenções
estiveram voltadas para o Facebook, o que depois levaria a empresa a alterar o
modo como apresenta os diferentes conteúdos na timeline de cada usuário.
No Brasil, as fake
news não são propriamente uma novidade. Nas campanhas eleitorais, sempre
houve a difusão de notícias falsas. Por exemplo, em várias eleições
presidenciais, o PT afirmou que, caso o PSDB saísse vencedor das urnas, o
candidato tucano iria acabar com o programa Bolsa Família. Nesta eleição, a
questão das fake news voltou à tona, com discussões voltadas mais
especificamente para o compartilhamento de notícias por meio do aplicativo
WhatsApp.
Antes do início da
campanha eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) prometeu uma rigorosa
ação contra as fake news, com a instalação de grupos de trabalho e comitês
para o tema. Em junho, o então presidente do TSE, ministro Luiz Fux,
tranquilizou a população dizendo que a Justiça eleitoral iria “remover
imediatamente” notícias falsas que se espalhassem pelo País e fossem abusivas.
Também foi anunciado que dez partidos políticos haviam se comprometido com a
manutenção de um ambiente eleitoral “imune de disseminação de notícias falsas”
e que Google e Facebook haviam se prontificado a tirar do ar conteúdos falsos a
partir de notificação do TSE. Em agosto, o ministro Fux chegou a afirmar que,
em razão da atuação do TSE, “falar que pode haver fake news já é
uma fake news”.
Mais recentemente, a atual
presidente do TSE, ministra Rosa Weber, foi um pouco mais contida ao se referir
ao combate contra as notícias falsas, reconhecendo que o problema ultrapassa as
possibilidades da Justiça eleitoral. “Se tiverem a solução para que se evitem
ou se coíbam fake news, nos apresentem. Nós ainda não descobrimos o
milagre”, disse a ministra Rosa Weber.
Tem toda razão a
presidente do TSE. A rigor, o poder público não pode se arvorar o papel de
árbitro das notícias. Esse é um aspecto da vida pública que, quanto menos
regulado, melhor. Uma vez que não cabe ao Estado definir o que é verdadeiro e o
que é falso em termos de informação, também não lhe cabe ser censor sobre o que
deve e o que não deve circular, sobre o que pode e o que não pode ser
compartilhado pelos cidadãos. Cada indivíduo, quando e se sentir-se ofendido,
que procure a Justiça e faça uso das leis que protegem sua integridade.
O respeito às liberdades
fundamentais impõe sérias restrições à atuação de um Estado Democrático de
Direito. Ele não é o gestor da informação, e muito menos gestor da “verdade”.
Numa sociedade livre, a informação deve ser livre. Como disse a ministra Rosa Weber,
“sem imprensa livre não há democracia”.
Por óbvio, o exercício da
liberdade de expressão e de comunicação não é uma autorização para caluniar,
injuriar ou difamar. O Código Penal fixa penas para tais ações. Mas é
precisamente esse o âmbito da atuação estatal na esfera da comunicação - punir
os abusos, e não ser censor.
Além de ilusória, a
suposição de que a Justiça coíba todas as fake news configura uma
descabida pretensão, já que seria dar ao Estado um poder sobre os indivíduos e
a população que ele não tem. O espaço da informação é necessariamente livre.
Logicamente, isso traz riscos. É penoso, por exemplo, ver como pessoas
instruídas compartilham supostas “notícias” sem o mínimo senso crítico,
repassando para familiares e amigos informações distorcidas e manipuladas,
quando não inteiramente falsas.
A liberdade de informação
e de expressão tem seus riscos e acarreta vulnerabilidades nos mais diversos
âmbitos - não apenas no processo eleitoral. Mas o reconhecimento dessa
realidade não é de forma alguma motivo para pedir que o Estado ultrapasse as
suas competências e entre em seara própria das liberdades individuais e
políticas. Os riscos da liberdade não devem conduzir à supressão da liberdade.
O caminho é sempre apostar na liberdade, também como espaço de aprendizagem e
de maturidade. O Estado é servidor do indivíduo, não seu tutor.
Portal Estadão